domingo, 31 de março de 2013

Crônica #14 - O que você quer mesmo dizer?


Hoje venho expor algumas situações que aconteceram comigo, que mostram a diferença clara que por vezes existe entre o que dizemos e o que realmente queremos dizer. Para alguns, essa diferença costuma ser muito pouca ou quase nula. Para outros, em determinadas situações, há a necessidade de se pensar dez vezes antes de falar.

Situação 1:

Quando eu morava em Copacabana, dividia o apartamento com um colega de faculdade. Num lar onde moram dois homens vocês podem imaginar como a máquina de lavar roupas é solicitada. Para mim, pelo menos, até aquelas roupas cujas etiquetas traziam escrito "Lavar à mão! Não pendurar! Pelo amor de Deus, não torcer!" eram solenemente jogadas na máquina, às vezes até fazendo companhia a calças jeans. Tudo em nome da praticidade.

Certo dia a máquina quebrou, e isso já era esperado. Foi quando precisamos chamar um técnico, e eu fiquei responsável por recebê-lo.
O técnico, muito simpático, era cearense. Quando estava examinando o motor, me perguntou:

- E você, é de onde?
- Natal.
- Ah, legal. E lá tem essas máquinas de lavar?

Nesse momento passei a achá-lo não tão simpático. O que eu realmente gostaria de ter respondido:

- Não, imagina. Lá não existe nem energia elétrica, quanto mais máquina de lavar. O pessoal lava a roupa na pedra mesmo, perto do rio, pois até fornecimento de água é complicado. O problema é que Natal cresceu muito, e não é todo mundo que mora perto de um açude, rio ou lagoa. Então muita gente precisa colocar as trouxas de roupa de forma improvisada, cada um no seu jegue, para então percorrer vários quilômetros até chegar a uma estação de lavagem de roupa. Existem algumas estações privadas, que cobram um real por hora, por espaços delimitados por divisórias de palha ou papelão; elas oferecem um bom sabão de coco usado (ok, vamos dizer que é reciclado, que é a palavra da moda) e uma área grande com pedra áspera. O luxo do luxo é quando se consegue uma pedra áspera ao lado de uma lisa, para roupas delicadas, mas isso é para os mais abastados.

“Agora veja você, nobre amigo, se Natal fosse tão evoluída quanto o Rio ou a sua terra, teríamos mais dignidade e até facilidade para nos deslocarmos por esse país afora. Mas na ausência de energia, até o aeroporto internacional precisa operar de forma um pouco peculiar. A torre de comando funciona na base do lápis e papel. Radar? Três jagunços no topo com binóculos dão conta do recado. E o combustível aeronáutico vem como? Em carroças puxadas por jegues, é claro! Precisa ver quantas carroças pintadas com o emblema "BR" nas laterais são necessárias para abastecer um 737!!”

Mas o que eu respondi na verdade?

- Tem.

Situação 2:

Certa vez, há vários anos, fui a uma concessionária de automóveis da Fiat. Estava pensando em trocar de carro. Chegando lá, sentei à mesa de um vendedor e perguntei:

- Quanto custa esse carro?
- X reais.
- Você poderia fazer uma simulação, dando Y% de entrada e financiando o resto?

O vendedor não parecia muito disposto a fazer o trabalho dele, pois perguntou:

- Você tem o dinheiro para a entrada?

O sangue ferveu, mas vamos dizer que usei minha inteligência emocional, para não dizer "receio de dizer o que deveria ser dito", e me contive. O que eu realmente deveria ter respondido:

- Eu não sei como a sua mente desqualificada, imbecil, arrogante e desprovida foi capaz de formular esta frase que você acabou de proferir. De onde você tirou a ideia de que essa questão está sequer perto de ser da sua conta? Por acaso você está passando bem? Está com febre? Comeu estrume de búfalo com crosta de gergelim no café da manhã, acompanhado por vitamina de urina com soda cáustica? Ahh, já sei! Quer parar de vender carro! Já ganhou tanto dinheiro que vem trabalhar de Ferrari. Daí, fica esnobando os clientes... Olha, não vou perder mais meu tempo falando com você. - Nesse momento, levantei-me, decidido a ir embora. Segundos depois, porém, decidi permanecer mais um pouco. Já que ele estragou meu dia, quis estragar o dele também. - Pensando melhor... Chame o gerente, por favor...

Mas nada disso aconteceu. Eis o que eu respondi de fato:

- Não, mas em um mês terei.

E ele fez a maldita simulação. Por fim, acabei não comprando nada lá.

Resumindo: às vezes dá vontade de ser aquele personagem "tolerância zero", do programa humorístico, mas eu acabo sempre sendo "tolerância 100%"...


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