domingo, 23 de junho de 2013

Crônica #24 - Ele é do tipo que ajuda os outros?


Se você é uma criança órfã, então não possui alguém para chamar de papai ou de mamãe. Não pode dizer "mamãe! mamãe!" no frio da madrugada quando precisa de mais calor ou simplesmente quer ir ao banheiro. Não tem alguém em quem se inspirar no dia a dia. Carece de afeto, daquela presença tão especial dos pais.
Se é um idoso, então pode ser que tenha sido esquecido por aqueles que mais amou ou ainda ama, o que provavelmente já causou marcas irrecuperáveis no seu fraco coração. Talvez esteja mais solitário do que nunca, desejando que Deus o tire logo dessa situação tão sem sentido.
Se você é um drogado ou alcoólico, sabe que muitos o reprovam. Acham que é um fraco. Desconhecem o poder da dependência química e da bebida, além de seus efeitos devastadores. Talvez você simplesmente não veja saída para a sua situação cada vez mais insuportável.

Para todos vocês, o mundo parece conspirar contra.

Mas minha criança, espere! Há pessoas que lhe estenderão a mão. Que têm corações genuinamente puros. Que a alimentarão, a ajudarão a vestir-se, a limpar-se, a tomar banho e, acima de tudo, não exigirão absolutamente nada em troca. Há pessoas que, por mais extraordinário que possa parecer, se sentirão felizes ao verem um sorriso estampado em sua pequena face, mesmo que não sejam seus verdadeiros pais. Tenha então certeza de uma coisa: pode chamá-los de papai ou mamãe, pois o amor deles será o mesmo ou até maior.
A senhora ou o senhor já sem esperança, que já viu tudo nessa vida: creia que há também alguém que o ajudará. Esse alguém entenderá a situação pela qual está passando e o ajudará a fazer coisas que são tão simples, mas que já lhe representam desafios crescentes. Esse alguém ajudará a viver seus últimos dias, ouvirá suas lamentações e entenderá toda a história e a sapiência que há por trás de seu semblante cansado. E então lhe acalentará e trará um pouco da dignidade que merece.
Você que é dependente, já deve ter ouvido falar de pessoas que ajudam outros como você, que entendem que é preciso um esforço hercúleo para sair do abismo em que se encontra. Elas entenderão que você precisa ter iniciativa sim, mas também precisa de ajuda, e o ajudarão. Acima de tudo, elas ficarão muito felizes com a sua recuperação.

Para todos vocês, uma mão amiga será estendida.

Sim, nobre leitor. Anjos existem. Estão em toda parte; em orfanatos, asilos, clínicas de reabilitação e em tantos outros lugares.
São pessoas que ajudam o próximo. Elas não precisam ser reconhecidas como heróis ou heroínas. São tão mais que isso justamente porque se satisfazem com tão pouco. O que para muitos é pouco retorno para tanto trabalho, para eles e para todos os que deles dependem é algo imensurável.
Uma criança feliz, um idoso com mais dignidade ou um drogado que se vê com um futuro. Tudo isso não tem preço.
Parabéns a todos os anjos. Que nós possamos ajudá-los, com o mínimo que seja, para que tenham êxito nas suas missões na Terra.

domingo, 9 de junho de 2013

Crônica #23 - Situações de silêncio


Situação 1: no elevador 

São 11:55. Você entra no elevador e dá de cara com um vizinho. São quase dez andares até chegar ao solo. Assim que você entra, seu companheiro de viagem vertical comenta:
– Bom dia.. – Dá uma olhada no relógio, e completa – Quase boa tarde, não é?
Silêncio. Os andares passam lentamente. Você tenta algo:
– Que tempo maluco, não é? Ontem mesmo fez o maior sol.
Ele sorri e não diz nada. Você dá aquele sorriso falso. Há silêncio novamente, que impera até que a porta se abra e vocês enfim se desvencilhem.

Situação 2: no restaurante 

Volta e meia vou almoçar sozinho no restaurante da empresa. Resquício da época em que eu estava escrevendo o livro e precisava almoçar rapidamente, em 20 minutos ou menos, para depois gastar 40 minutos digitando no smartphone num local estratégico do prédio, onde ninguém conhecido pudesse me ver. 
Num belo dia estou sentado, tendo acabado de me servir. Apenas eu e uma mesa de seis lugares. Mal começo a refeição, dois jovens (um homem e uma mulher) pedem licença e sentam-se. Devem ser estagiários. 
Quando estou só, invariavelmente presto atenção à conversa alheia que chega sem esforço aos meus ouvidos. Já ouvi gente falando mal de um funcionário que não estava presente (provavelmente para se sentirem competentes), gente falando mal do cliente, funcionários comentando sobre pirataria, sobre carros, etc. Neste dia, espero ouvir o que o casal de jovens tem a dizer, mas mal sei eu que me decepcionarei. 
Mal sentam-se, ela dá a primeira garfada e desbloqueia o smartphone. Dá para ver com minha visão periférica. Rola a tela para cima e para baixo, enquanto mastiga e provavelmente confere se não perdeu alguma atualização de status dos amigos nos últimos minutos que ficou desconectada (entre a mesa de trabalho e o restaurante, no mesmo prédio). Depois, bloqueia o smartphone e continua a comer. Nenhuma palavra dos dois até agora. Silêncio.
Mal tendo ela acabado de bloquear a tela, foi a vez dele desbloquear o aparelho e fazer o mesmo. Permanece assim por alguns segundos, até que ela não se contém e desbloqueia novamente o smartphone, afinal, vai que alguém "tuitou" nos últimos 53 segundos... Eu suspeito até que estejam se comunicando via SMS, WhatsApp ou algo parecido, apesar de próximos, mas ao que tudo indica não é o caso. Cada um na sua, navegando nos seus círculos de amigos, estão bastante imersos. Num dado momento ela dá um sorriso (um "twitt" de alguém famoso?), ainda olhando para o aparelho enquanto mastiga.
Apenas vários minutos depois coincide de os dois estarem com os aparelhos bloqueados ao mesmo tempo, ao lado dos pratos. Então, não há alternativa senão conversar. O silêncio enfim  é rompido.
Um almoço solitário frustrante para mim, com pouca história para ouvir... Assim fica difícil.

Situação 3: piada sem graça

Os famosos microssegundos que você leva para entender uma piada que seu amigo conta, quando ela não é boa ou não é óbvia. Parecem eras geológicas enquanto ele aguarda a sua reação, esperando que seu sorriso amarelo se torne um sorriso de verdade ou uma gargalhada. 

Situação 4: ops, ninguém pensou nisso antes

Quando, numa reunião de trabalho com o cliente e já quase na fase final do projeto, alguém menciona um detalhe no qual ninguém pensou antes. Há um hiato até que alguém diga alguma coisa. 
O nobre leitor pode ter absoluta certeza de que o tempo de silêncio nessa situação é inversamente proporcional ao salário de quem falou. Se quem descobriu a falha no projeto foi um estagiário, pode esperar um tempo enorme (cerca de cinco segundos). Se foi um gerente de projetos, serão cerca de dois segundos.

Situação 5: o assunto acaba

Você está conversando com seus colegas, e de repente o tema se resolve, não há mais argumentos. Todos perdem o interesse pelo assunto ao mesmo tempo. Nesse momento, todos ficam pensando talvez o mesmo que você: "o que digo agora? como foi meu fim-de-semana? Melhor não. Minhas férias? Não... O tempo que virou e ficou nublado? Muito batido. Já sei. Futebol! Mas acabamos de falar sobre Neymar. A copa. Pronto, acho que vou comentar algo sobre a copa." 

domingo, 2 de junho de 2013

Crônica #22 - O trânsito, de novo?


“Não acredito, outra crônica sobre trânsito? Não!!!”

Esta deve ter sido a reação do nobre leitor ao ler o título do texto de hoje. Nada mais sintomático sobre as nossas mazelas do que um punhado de cronistas reclamando da mesma coisa. É sinal de que realmente há algo de errado. A última reclamação dos engarrafamentos no Rio que eu lembro de ter lido foi de Fernanda Torres, colunista da Veja Rio. Naquela edição, ela relatava que tenta tirar proveito dos longos trajetos diários para trabalhar, escrever, enfim, ser produtiva, já que a perda de tempo seria de outra forma inevitável.

Antes de ontem eu estava de folga e precisei ir ao shopping. Mais especificamente ao Barra Shopping, que é um centro de compras dos mais facilmente lotáveis em dias imprensados, feriados, épocas natalinas, dias que antecedem o dia das mães... enfim, em qualquer dia que precisemos visitá-lo. Ouvi dizer que há uma obra de expansão em curso, para adicionar vagas no subsolo e dar vazão à demanda, mas isso é tema para outra crônica.

Voltando. Tive a ideia de ir ao Barra Shopping para assistir a um filme e resolver algumas coisas. Quando cheguei, pouco depois das 13:30, as vagas de estacionamento já começavam a ficar escassas, por incrível que pareça.

“Feriado imprensado é assim mesmo”, pensei. Os cariocas já não devem viajar tanto quanto antigamente. Quem permaneceu na cidade deve ter tido a mesma ideia que eu, pois naquele horário a fila do cinema já estava considerável.

Com as entradas na mão, precisei ir a farmácia. Lá dentro, lembrei de um medicamento para verrugas de um renomado laboratório que precisara comprar dias antes. Chama-se Verrux. Ainda bem que aquele laboratório não fabrica remédio anti gases (como iria se camar? Peidóx?).

Quando deixei minhas compras no carro antes de ir à sala de cinema, vi que a disputa por vagas já estava feroz. Havia vários veículos nas vagas de deficientes e outros parados na área de circulação, com motoristas dentro à espreita e prontos para abordar qualquer um que carregasse sacolas de compras, ou que parecesse estar prestes a ir embora, como eu. Assim que abri a porta do meu carro, uma mulher que estava de prontidão ligou o carro e deu ré antes que outros se aproximassem. A expressão de desapontamento dela foi visível quando expliquei que eu não estava saindo.

Se naquele horário o trânsito dentro do estacionamento estava ruim, vocês podem imaginar o que encontrei às 18:00, quando estava prestes para sair. Engarrafamento dentro do shopping, devido também ao engarrafamento em todo o entorno do local! Havia filas enormes para sair.

Decidi dar a volta e tentar sair em outro ponto, mas foi em vão. Mais congestionamento. Levei uma hora só para dar a volta no terminal Alvorada, para pegar a Avenida das Américas no sentido Zona Sul. Isso mesmo, uma hora para percorrer talvez um par de quilômetros. Só depois percebi que não havia acidente, obras, etc. Era excesso de carros mesmo, dentro e fora do shopping. Naquele momento me arrependi de ter ido assistir ao filme.

Acho que permanecer em casa se tornará, cada vez mais, o programa preferido nas grandes cidades, já que sair para "entreter-se" pode representar umas duas horas de entretenimento adicionadas a muito mais horas de trânsito pesado. Para que ir ao cinema, se nossos amigos e nós mesmos podemos todos assistir a um filme simultaneamente, comendo pipoca caseira e comentando tudo em tempo real via Twitter, Skype ou redes sociais? Não é o ideal, mas se for para economizar quatro horas... Só sei que, em dezembro, passarei longe do Barra Shopping.