domingo, 31 de março de 2013

Crônica #14 - O que você quer mesmo dizer?


Hoje venho expor algumas situações que aconteceram comigo, que mostram a diferença clara que por vezes existe entre o que dizemos e o que realmente queremos dizer. Para alguns, essa diferença costuma ser muito pouca ou quase nula. Para outros, em determinadas situações, há a necessidade de se pensar dez vezes antes de falar.

Situação 1:

Quando eu morava em Copacabana, dividia o apartamento com um colega de faculdade. Num lar onde moram dois homens vocês podem imaginar como a máquina de lavar roupas é solicitada. Para mim, pelo menos, até aquelas roupas cujas etiquetas traziam escrito "Lavar à mão! Não pendurar! Pelo amor de Deus, não torcer!" eram solenemente jogadas na máquina, às vezes até fazendo companhia a calças jeans. Tudo em nome da praticidade.

Certo dia a máquina quebrou, e isso já era esperado. Foi quando precisamos chamar um técnico, e eu fiquei responsável por recebê-lo.
O técnico, muito simpático, era cearense. Quando estava examinando o motor, me perguntou:

- E você, é de onde?
- Natal.
- Ah, legal. E lá tem essas máquinas de lavar?

Nesse momento passei a achá-lo não tão simpático. O que eu realmente gostaria de ter respondido:

- Não, imagina. Lá não existe nem energia elétrica, quanto mais máquina de lavar. O pessoal lava a roupa na pedra mesmo, perto do rio, pois até fornecimento de água é complicado. O problema é que Natal cresceu muito, e não é todo mundo que mora perto de um açude, rio ou lagoa. Então muita gente precisa colocar as trouxas de roupa de forma improvisada, cada um no seu jegue, para então percorrer vários quilômetros até chegar a uma estação de lavagem de roupa. Existem algumas estações privadas, que cobram um real por hora, por espaços delimitados por divisórias de palha ou papelão; elas oferecem um bom sabão de coco usado (ok, vamos dizer que é reciclado, que é a palavra da moda) e uma área grande com pedra áspera. O luxo do luxo é quando se consegue uma pedra áspera ao lado de uma lisa, para roupas delicadas, mas isso é para os mais abastados.

“Agora veja você, nobre amigo, se Natal fosse tão evoluída quanto o Rio ou a sua terra, teríamos mais dignidade e até facilidade para nos deslocarmos por esse país afora. Mas na ausência de energia, até o aeroporto internacional precisa operar de forma um pouco peculiar. A torre de comando funciona na base do lápis e papel. Radar? Três jagunços no topo com binóculos dão conta do recado. E o combustível aeronáutico vem como? Em carroças puxadas por jegues, é claro! Precisa ver quantas carroças pintadas com o emblema "BR" nas laterais são necessárias para abastecer um 737!!”

Mas o que eu respondi na verdade?

- Tem.

Situação 2:

Certa vez, há vários anos, fui a uma concessionária de automóveis da Fiat. Estava pensando em trocar de carro. Chegando lá, sentei à mesa de um vendedor e perguntei:

- Quanto custa esse carro?
- X reais.
- Você poderia fazer uma simulação, dando Y% de entrada e financiando o resto?

O vendedor não parecia muito disposto a fazer o trabalho dele, pois perguntou:

- Você tem o dinheiro para a entrada?

O sangue ferveu, mas vamos dizer que usei minha inteligência emocional, para não dizer "receio de dizer o que deveria ser dito", e me contive. O que eu realmente deveria ter respondido:

- Eu não sei como a sua mente desqualificada, imbecil, arrogante e desprovida foi capaz de formular esta frase que você acabou de proferir. De onde você tirou a ideia de que essa questão está sequer perto de ser da sua conta? Por acaso você está passando bem? Está com febre? Comeu estrume de búfalo com crosta de gergelim no café da manhã, acompanhado por vitamina de urina com soda cáustica? Ahh, já sei! Quer parar de vender carro! Já ganhou tanto dinheiro que vem trabalhar de Ferrari. Daí, fica esnobando os clientes... Olha, não vou perder mais meu tempo falando com você. - Nesse momento, levantei-me, decidido a ir embora. Segundos depois, porém, decidi permanecer mais um pouco. Já que ele estragou meu dia, quis estragar o dele também. - Pensando melhor... Chame o gerente, por favor...

Mas nada disso aconteceu. Eis o que eu respondi de fato:

- Não, mas em um mês terei.

E ele fez a maldita simulação. Por fim, acabei não comprando nada lá.

Resumindo: às vezes dá vontade de ser aquele personagem "tolerância zero", do programa humorístico, mas eu acabo sempre sendo "tolerância 100%"...


quinta-feira, 28 de março de 2013

Parceria com o blog conjuntodaobra

Olá nobres leitores/leitoras!

Mais um blog que irá resenhar meu livro! Vejam:

http://conjuntodaobra.blogspot.com.br/2013/03/novidades-46.html

É isso. Como escritor, tenho que dar a cara à tapa mesmo. A sinceridade das resenhas desse blog foi justamente o que me fez propor a parceria. Estou preparado para tudo :-)

Espero em breve postar a resenha! Vocês merecem opiniões sinceras e imparciais antes de decidirem se vale à pena ou não comprar um exemplar de "O próximo alvo".

Abraço,

Marcel T.

Nova parceria

Nobre leitor(a),

Qualquer escritor precisa estar preparado para a opinião sincera do outros. Caso o número de pessoas que não gostarem da minha obra for muito grande, é sinal de que eu não escrevi o livro certo, não é mesmo?

Pensando nisso, entrei em contato com alguns blogs literários, e hoje venho anunciar uma parceria com o blog "Mademoiselle Love Books", que será um dos primeiros a fazer a resenha do meu livro!! Segue o link.

Mademoiselle Love Books

Gostei da sinceridade e da coerência das resenhas do Mademoiselle, e por isso estou muito feliz com a parceria.

Manterei também uma seção "Parcerias", na lateral do meu blog, com todos os links.

Espero em breve colocar o livro em produção e divulgar o resultado da resenha!

Abraço,

Marcel T.

domingo, 24 de março de 2013

A jornada que começou com uma página em branco


E no início, havia apenas uma ideia... Mentira, não havia nada.

Muitos escritores descrevem o início o processo de escrita assim: “Num belo dia, eu estava lavando louça, quando uma ideia genial me ocorreu. Então, comecei a escrever.” Ou então: “Eu estava sentado no vaso sanitário, quando uma ideia para uma outra obra (não sólida) surgiu na minha mente. Assim que terminei de me limpar, comecei a escrever compulsivamente.” Mas comigo foi diferente. Acatei a sugestão da minha esposa, de escrever um livro, e fui atrás da ideia.

Sem experiência em criar romances, tentei imaginar algumas tramas muito mirabolantes, mas estava realmente sem rumo. Então, vi que facilitaria bastante se eu soubesse quem seria o protagonista. Obviamente, minha primeira aposta foi num analista de sistemas, mais ou menos com a mesma idade que eu. Entretanto, eu não conseguia imaginar histórias muito empolgantes com isso, e foi daí que veio a ideia de ter um protagonista que tivesse porte de armas. Pronto, um perito criminal, da Polícia Federal. Estava decidido. A partir do protagonista, a história começou a tomar forma.

Em busca de orientações, visitei todos os sites possíveis sobre como escrever um romance, como criar um personagem, o gerenciamento do ponto de vista dos personagens, etc. Não havia muita coisa em português, até porque o mercado editorial americano é muito maior e mais profissional que o nosso. Lá, existem mais cursos de escrita criativa, a figura do agente literário está mais presente, e há, teoricamente, mais gente escrevendo. Li tudo o que pude a respeito, inclusive dicas de escritores famosos. Cheguei a um ponto em que os resultados das buscas no Google sobre esses temas já vinham todos destacados como links já visitados. Algumas coisas básicas ficaram claras:

1) Pelo menos durante cada "ciclo de escrita", é absolutamente necessário escrever diariamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Do contrário, perde-se a continuidade do processo criativo.

2) É preciso ler muito.

3) Se escrever parece algo trabalhoso, é porque realmente é. O escritor deve simplesmente aceitar esse fato.

Naquela época, logo após ter me casado, passei a ser um leitor voraz de romances, além de ter que dar conta de escrever diariamente. Minha esposa me viu devorando às vezes um bom volume por semana, dados os outros compromissos diários. De lá para cá, vários autores passaram pelo meu olhar cada vez mais crítico, que tentava captar os erros e acertos de cada um deles: Carlos Ruiz Zafón, Dan Brown, Eduardo Sphor, Ernest Hemingway, Jô Soares, Marçal Aquino, Raphael Draccon, Rubem Fonseca, Scott Turow, Stephen King, Stieg Larrson, Umberto Eco, Vladimir Nabokov e outros. São estilos bem diferentes, tendo cada um seus próprios pontos fortes e fracos.

A dificuldade inicial para sequer imaginar os pormenores de cada cena e a apreensão que aquela página em branco do processador de textos trazia foram se transformando em algo mais fluido, na medida em que os ciclos de escrita foram sendo completados. Ao fim de cada ciclo, eu tinha uma versão do livro em potencial, que era teoricamente melhor do que a anterior. Nos primeiros ciclos, quando a espinha dorsal da trama estava ainda frágil, lembro-me de ir para a cama remoendo algumas ideias, e de acordar por vezes de madrugada para beber água e tomar nota de algumas possibilidades para a trama que haviam acabado de me ocorrer.

Lembro-me de que entre a quarta e a quinta versão, se não me engano, joguei tudo fora e comecei do zero, passando a manter uma planilha para controlar o que acontecia em cada capítulo, e também outra planilha contendo as característica comportamentais e psicológicas de todos os personagens.

Durante a gestação do meu filho (no sentido estrito da palavra), deixei o livro de lado por alguns meses, possivelmente por não acreditar realmente que aquilo pudesse resultar em algo relevante. Mas, perto dele nascer, pensei que se eu não retomasse logo aquilo, se eu esperasse meu filho ficar mais crescido para só então continuar, aí mesmo era que eu poderia considerar meu livro morto. Então, decidi continuar. Mesmo sob forte privação de sono por causa do recém-nascido, eu teria que escrever pelo menos quinhentas palavras por dia, e assim foi.

O processo de criação de um livro é, para mim, algo essencialmente introspectivo. Posso fazer uso das minhas experiências com todos com quem convivo, trazer à minha mente lembranças obtidas das mais diversas formas, etc. Mas, no momento em que estou escrevendo, preciso estar só. Somente eu e o processador de textos, com o navegador da internet devidamente desativado. Se eu precisava escrever por um determinado tempo mínimo diariamente, tinha que realmente escrever. Navegar na internet não é escrever. Pesquisar coisas no Google para o livro também não é escrever. Para escrever algo que valha a pena, eu tinha que, simplesmente, escrever, e sozinho, depois de todos terem ido dormir.

Aqueles que aspiram construir seus castelos (crônicas são biscoitos, e romances são castelos) podem atém pensar na possibilidade de participar de comunidades de escritores na internet, onde os membros compartilham seus trabalhos à medida que vão evoluindo seus livros, mas isso não funcionaria comigo. Eu imagino esse tipo de colaboração como a seguinte cena: todos os dias, para escrever meu livro, eu vou a uma sala com uma mesa enorme, para vinte lugares. Sento-me na minha cadeira, e todos os outros dezenove escritores fazem o mesmo. Num dado momento, quando eu termino de escrever a página do dia, levando-a e grito “pessoal, escrevi uma página! Alguém quer revisar?”. Então, alguém toma a minha página, e eu prontamente pego a de alguém para dar meu feedback. Agora diga-me, nobre leitor, você acha realmente que isso funciona? A obra está pela metade, só tenho fragmentos, e tenho que parar para receber feedback, além de parar para dar feedback aos demais. Não haveria como eu concluir algo inteiro, um texto fim-a-fim, sem parar para ter feedback, e isso atrapalharia meu ritmo. Para textos curtos pode até funcionar, mas para um romance, pelo menos comigo, não funciona. Prefiro ter um bom feedback, e profissional, ao final de tudo. Inclusive tenho vergonha de mostrar o andamento à minha esposa. Até eu receber a boneca definitiva, o exemplar de prova, ela não teve acesso ao texto.

Voltando ao processo por que passei, durante alguns dos últimos ciclos de escrita, procurei a ajuda de policiais para ajudar na ambientação da história. Entrei em contato por e-mail com uma ex-delegada da DRCI (Delegacia de Repressão a Crimes de Informática), que prontamente me deu o endereço de e-mail de um inspetor dessa delegacia. Mandei uma mensagem para ele que, resumindo, perguntava como era o ciclo de vida de um inquérito. Ele não respondeu à minha mensagem. Tentei também a ajuda de um perito criminal, ex-professor meu, mas sem sucesso. Talvez ele tenha achado que seria muito importunado. Então, desisti. Aliás, vi que a trama realmente não seria afetada se eu não tivesse a ajuda de um inspetor ou perito. A única ajuda que consegui foi uma mensagem da ouvidoria da Polícia Federal de São Paulo. Eu precisava saber pelo menos em que andar o Departamento Técnico Científico da superintendência daquela cidade ficava, ao que fui prontamente atendido.

Os ciclos de escrita foram se passando, até que cheguei ao final do décimo-primeiro, quando pensei que tinha algo que valia a pena ser enviado às grandes editoras. Gastei algum dinheiro então para imprimir e enviar meu livro à Companhia das Letras, Verus, Rocco, etc. Porém, não esperei pela resposta delas e fiz o que deveria ter feito antes de enviar os manuscritos: encomendei um serviço de leitura crítica, que gera como resultado um parecer acerca da qualidade da obra.

Quando recebi o parecer, aí eu vi que não havia chance alguma das editoras aceitarem a obra naquele estado. O parecerista apontou diversos problemas, como personagens desnecessários, final esticado demais, falta de suspense (para o gênero ao qual o livro se propõe), preocupação excessiva em deixar o texto certinho, etc. Foram muitas coisas que, sob o olhar crítico e sincero dele, me deixaram até um pouco desanimado. Porém, ele gostou bastante da ambientação e da trama. Se ele gostou da trama, que é a espinha dorsal do livro, pensei, então aquilo ainda tinha salvação.

Trabalhei com afinco para gerar uma outra versão: a décima segunda, que resolvia todos os problemas e ia até um passo além, ao crescer um pouco a importância de um dos personagens que estava em segundo plano. O parecerista, que se chama Eric Novello (também é escritor), me vez ver as várias oportunidades que havia no meu livro. Aliás, esse é um conselho que dou a qualquer um que planeja escrever um livro: quando achar que o livro está perfeito, submeta-o a uma leitura crítica e imparcial. Você não imagina o bem que isso fará à sua obra. Mas esteja preparado para tudo, até para que o parecer final seja: “você escreveu o livro errado”. Não espere um afago no seu ego.

Quando concluí esta versão, decidi que iria publicar por conta própria, e foi aí que entrei em contato com a Bookmakers, cujo dono tem mais de vinte anos de experiência no mercado editorial, já traduziu obras importantes como “Ponto de Impacto” de Dan Brown, fundou a Editora 34, etc. O meu primeiro contato desta editora foi a Thalita Uba, que conduz a produção do meu livro até hoje. Ela foi a primeira pessoa a ler o livro. Lembro-me de ela der respondido ao meu email, comentando: “gostei muito do seu senso de humor, das histórias entrelaçadas e da forma como o enredo flui, é bem dinâmico.” É curioso como “senso de humor” não havia sido uma das minhas preocupações explícitas durante a escrita, mas algumas cenas acabaram refletindo isso. Eu não esperava que fosse uma das principais coisas a chamar a atenção de alguém. Mas, como diria Eric Novello, é essa a beleza da arte: cada um aprecia de uma forma diferente. Outra pessoa poderia nem prestar atenção ao senso de humor, absorvendo outros detalhes da história.

Sobre o esforço total da obra, vou dizer algo que talvez dê uma ideia àqueles que já leram minhas crônicas. Depois de quatro anos de escritas e reescritas, a obra final ficou com pouco mais que 120 mil palavras, cerca 240 vezes maior que uma crônica. Porém, o esforço para escrevê-la foi muito, mas muito maior do que o esforço de escrever uma crônica multiplicado por 240.

Não sei quantos exemplares conseguirei vender de “O próximo alvo”. Talvez cem, talvez dez, talvez meia dúzia. Mas vocês podem ter certeza de uma coisa: hoje tenho enfim um texto do qual não tenho vergonha de mostrar às pessoas.

domingo, 17 de março de 2013

Crônica #13 - A questão


Durante uma daquelas famosas reuniões de “kickoff”, onde o gerente dá o empurrão para todos começarem o projeto com o pé direito, trazendo aquela injeção de ânimo e otimismo, ele discorre sobre os desafios que estão por vir. Cada “recurso” presente está mais do que ciente dos requisitos levantados junto ao cliente.
De repente, um deles, que participou do processo de vendas e conhece o cliente de perto, termina uma ligação no celular e pede a palavra.
- Pessoal, sinto informar, mas uma coisa passou despercebida. Temos que ver a questão dos bônus.
Quando ele diz isso, há uma harmonia que dura milésimos de segundo. Durante esse micro período, as ondas mentais na sala se harmonizam por todos terem exatamente o mesmo pensamento: “ops!” Ninguém pensou nos bônus que deveriam ser concedidos automaticamente durante a promoção do dia dos pais. Segundos depois, naturalmente, a harmonia dá lugar ao caos. Um requisito de última hora muda tudo. Muda a vida de todos.

Durante uma sessão de testes, o analista de qualidade vê que um dos casos de teste não passa de jeito nenhum. Não importa quantas vezes ele se certifique de que o ambiente está corretamente configurado, o teste sempre falha. Para ele, trata-se apenas de um erro pontual. Mas quando vai falar com o programador, percebe que o problema é bem maior do que ele imaginava.
- Você viu o email que eu mandei? Esse test case não está passando.
- Eu não sabia que vocês iam testar a tarifação em roaming.
- Claro que eu iria. Faz parte do escopo de qualquer projeto.
Horas depois, numa reunião com o gerente, o programador diz que há a questão do cenário das chamadas em roaming, que abre todo um leque de coisas que ele não fez no código-fonte, mas que deveria ter feito. Como consequência da questão, todos voltam à estaca zero.

Hoje busquei num dicionário online os significados possíveis para a palavra “questão”. Eis o que achei:

Questão (latim quaestio, -onis, procura, busca, investigação, inquérito, problema)
s. f.
1. Ponto que deve ser discutido ou examinado.
2. Tema, assunto, tese.
3. Negócio, pendência.
4. Disputa, controvérsia.
5. Dissidência, desacordo, discórdia.

Tentei entender todos esses significados porque, para mim, essa palavra possui uma conotação bem mais simplificada.
Na verdade, com o tempo percebemos que certas situações são até bem previsíveis quando esse termo é empregado. Aprendemos que a “questão” nos ajuda a entender bem a gravidade da situação e a nos preparar melhor para as horas-extras e noites insones que estão por vir. É quase leitura de pensamento.

- Você chegou a ver a questão das horas extras?
Se eu ouço essa frase, imagino logo que o projeto está no limite, e que não há horas extras autorizadas dali em diante. Provavelmente alguém precisa desesperadamente de mais dinheiro do cliente para prosseguir com o projeto.

- Tem também a questão do banco de dados.
Traduzindo: o esquema do banco de dados ainda não está pronto, ou a máquina não tem espaço em disco para armazenar tudo, ou a performance dele está bem aquém do esperado.

- Existe a questão das autorizações de viagem.
O projeto não tem mais dinheiro para bancar as viagens até o cliente.

- E quanto à questão dos requisitos?
Os requisitos não foram bem estimados no início do projeto, e agora alguém precisa gastar horas preciosas tirando tudo a limpo junto ao cliente. Alternativamente, o cliente mudou de ideia quanto aos requisitos, querendo incluir mais coisas no escopo do projeto sem ter que pagar mais por elas.

Como seria então o verbete da palavra “questão” no dicionário do mundo da Tecnologia da Informação?

Questão (latim tamufudiedis, imprevisto catastrófico)
s. f.
1. Problema.

terça-feira, 12 de março de 2013

Esclarecimento sobre a crônica #12

Nobre leitor(a),

Gostaria de esclarecer que o ponto de vista usado em toda a última crônica (a crônica número 12) é o da personagem Vilma, Ok? Acho que deu para perceber.

Mesmo nos trechos de narrativa, sem diálogos, o ponto de vista é o de Vilma. Trata-se do que ela consegue enxergar, do que ela sabe, pois o narrador, no caso, não é onisciente.

Abraço!

domingo, 10 de março de 2013

Crônica #12 - Quem vencerá as eleições?


– Oi Vilma – diz Luizinho. – Reunião com o diretor?
– Nem me fale. Estou hiper atrasada.

Vilma entra esbaforida pelo portão da escola, acompanhada por Luizinho. Faltam apenas dez minutos para a primeira aula e ela ainda tem uma reunião relâmpago com os líderes de classe do quarto ano e com o diretor da escola. Há seis meses como líder da sua turma, Vilma pretende tirar proveito da experiência do amigo para se reeleger. Ele é um ano mais velho e já é líder há um ano. É como um mentor para ela. Com seus dez anos de idade, ela é bem popular na escola. Os cabelos curtos realçam os sempre bem escolhidos brincos e o batom impecável. Bem que ela gostaria de usar alguma maquiagem, talvez algo para destacar mais os olhos, mas sua mãe acha que ela ainda é jovem para isso.

Eles seguem pelo corredor e sobem pelas escadarias. Alguns alunos estão sentados ali conversando e os cumprimentam.

– Aceita um chiclete? – Pergunta Luizinho.
– Não, obrigada.

Luizinho parece estar mais apreensivo com as eleições da turma dela, que serão no dia seguinte, do que ela própria. Dá para perceber isso quando ele começa a passar as mãos por sua barba imaginária.

– Ah ,Vilma, já notou minha barba? Acho que nessa semana cresceu mais! – Luizinho aponta para algumas penugens entre os lábios e o nariz. Algo como um projeto de bigode. A expressão daquele baixinho é triunfante.
– Tá doido, Luizinho? Não tem nada ai.

A fixação de Luizinho por ter uma barba espessa era notória na escola. Havia uma certa competição entre os meninos do quinto ano para ver quem começaria primeiro a usar o barbeador do pai. Aparentemente, Luizinho estava certo de que ganharia.

Eles despedem-se rapidamente e ela entra já atrasada na sala do diretor. Todos estão presentes. Na pauta da reunião, nada demais. Apenas alguns informes que os líderes deveriam repassar aos colegas naquela semana, acerca das festas juninas.

Ao entrar para a aula de matemática, Vilma cumprimenta todos os que vê pela frente. Precisa ser simpática com todos. Senta-se e nota que Amécio, sentado mais à frente e duas fileiras à direita, está conversando todo sorridente com uma amiga dela. Isso não é nada bom. Vilma já tinha advertido que ele não era boa influência. Amécio também estava concorrendo para a vaga de líder de classe. Era também bastante influente, e o único que ela considerava uma ameaça real.

Algum tempo depois, a sirene toca. Hora do recreio. Vilma vai até o pátio para conversar com Luizinho, que a espera debaixo de uma árvore.

– Mas é um banana mesmo, não é? – Diz Luizinho ao ver Amécio passar com alguns colegas.
– Nossa, o que você tem contra ele? – Pergunta Vilma.
– E esse amigo dele, o Fernandinho, é metido a sabichão. Só porque tira dez em tudo se acha o cara. Olha, você tem que fazer tudo para Amécio não ganhar. Qualquer um menos ele.

Luizinho é da mesma turma que Fernandinho. Um rival antigo.

– Parece que tem uma galera que gosta dele – diz Vilma.
– Eu não vou com a cara dele – Luizinho alterna o olhar entre ela e Amécio, que senta-se perto da cantina. Passa novamente as mãos na barba imaginária. – Eu já andei espalhando a verdade pela sua turma.
– Que verdade?
– Que ele rouba quando joga bola de gude. Não é mentira não. Eu já vi. Se depender de mim, ele não ganha. Sua turma merece alguém como você. Um líder de classe precisa ser exemplo para todo mundo. Tá certo que ninguém é santo, mas vale qualquer coisa para evitar o pior.

Há uma semana, houve um pequeno confronto no pátio da escola. Amécio, acompanhado por alguns colegas, trocou algumas palavras com Luizinho e Vilma. Na ocasião, os colegas de Amécio acusavam Luizinho, o grande mentor de Vilma, de roubar nas corridas de tampinha e nos jogos de futebol, coisa que ele sempre negou. Vilma também não era poupada, sendo acusada de pagar o lanche de alguns “eleitores” para ganhar votos, e também de distribuir balas com mais frequência do que deveria, sempre orientada pelo mentor. Amécio chegou a dizer que o melhor para a turma seria livrar-se daquela dupla, ao que Luizinho apenas respondia “a urna vai dar a resposta”.

“A urna vai dar a resposta.” É esse o bordão preferido do comunicativo Luizinho. E naquele último recreio antes das eleições do dia seguinte ele parece mais ativo do que nunca. Após terminar de conversar com Vilma, começa a perambular pelo pátio, por entre os alunos da turma dela, distribuindo sorrisos e apertos de mão. Amécio não é tão habilidoso, mas também tenta. Ele e o mentor Fernandinho têm seus simpatizantes, mas a expressão de triunfo de Luizinho é imbatível. E assim segue até o fim do recreio.

As aulas seguem arrastadas para Vilma. Quando vai para casa, não consegue pensar em outra coisa senão nas eleições. É uma questão de honra para ela também. Por tudo o que seu guru havia falado, realmente não dá para colocar um garoto como Amécio para liderar aquela galera. Seria o caos para todos. Para a escola, para os colegas, para todo mundo. Ela não é perfeita, mas como dizia Luizinho, precisam evitar o pior.


No dia seguinte, já na primeira aula, todos chegam cedo. Antes mesmo da aula, a professora já providencia a eleição do líder. Coloca uma urna improvisada sobre a mesa e usa a lista de chamada para convocar os alunos, um por um, a se aproximar e depositar um papel com o nome do escolhido. Quem quer se abster pode simplesmente não depositar o voto.

Logo depois, a professora abre a urna e começa a ditar os votos em voz alta, enquanto vai contabilizando numa folha. A esperança inicial de Vilma vai dando lugar à decepção. O resultado final é tudo menos o que ela esperava.

Já no recreio, ela encontra-se com Luizinho.

– E aí? Como foi? – Luizinho acaricia sua barba imaginária com ambas as mãos. A expectativa é evidente.
– Não ganhei...
– Não acredito! – Ele se vira, olha para os próprios pés. Permanece alguns segundos assim, suspirando, e então se vira novamente para ela. – Aquele Amécio ganhou!
– Também não.
– Como assim?

Vilma conta a ele como foram as eleições, e ao final mostra a contagem de votos. Amécio: 11 votos. Vilma: 13 votos. Hélcio: 16 votos.

– Hélcio? Quem é Hélcio? – Luizinho está inconsolável.
– É um cara meio apagado na classe. Não conheço muito bem.

Alguns da turma dela ficaram espantados, mas obviamente a maioria não ficou. Hélcio, o cara que não se mete na briga política, sem atrativos políticos, sem habilidade de fazer conchavos, era visto até pela professora como o mais improvável ganhador. Mas aparentemente o cansaço daquilo tudo, de todas aquelas picuinhas, fez os alunos apostarem menos na articulação política e mais na ética.

domingo, 3 de março de 2013

Crônica #11 - Doutores da alegria



O texto abaixo é baseado em fatos reais, mas trata-se de ficção.

No último carnaval, dois blocos inusitados percorreram alguns hospitais. No Rio, o Bloco da Seringa Solta. Em Recife, o Bloco do Miolinho Mole. Era o carnaval dos Doutores da Alegria invadindo os territórios dos médicos. As bandas seguiam pelos corredores sem pedir licença, e alguns médicos e pacientes, muitos já devidamente adornados, vinham para assistir à passagem dos palhaços. Com astral lá em cima, eles não deixavam a peteca cair.

Em Pernambuco, naquele ambiente gélido onde as visitas muitas vezes não são suficientes para a necessidade de esperança dos internados, havia um grupo de pequenos heróis na ala pediátrica. Eram crianças. Muitas delas lutando para viver sem nem mesmo ter ideia do tamanho do desafio que tinham pela frente. Já que não podiam sair para ver o carnaval, o carnaval veio até elas.

Cantando variantes de marchinhas conhecidas, como Mamãe eu Quero, Abre Alas e Saca Rolhas, eles seguiam à caça dos pequenos. Pacientes com sondas que passeavam pelos corredores recebiam suas injeções de alegria. As enfermeiras participavam, ajudando a aumentar o coro. Médicos davam as boas vindas e assistiam ao bloco atrapalhado que desfilava. Num dado momento, eles entraram numa sala onde havia crianças se recuperando dos seus tratamentos. Todas arregalaram os olhos para ver aquela turma. Mesmo ali, deitadas, algumas já vestiam fantasias devidamente providenciadas pelos pais.

Os palhaços então começaram com o barulho. Não deixariam ninguém dormir. De repente, dois deles puseram um tambor sobre a cabeça de um terceiro, cobrindo-a, e intensificaram as batucadas. Logo depois, entoaram algumas marchinhas inéditas e específicas para aquele público-alvo, para então formar uma espécie de trenzinho da alegria que ia passando por entre os leitos. Chegavam a curvar-se para cantarolar mais próximos a alguns dos pequenos pacientes.

Uma garotinha sem cabelo algum, aparentando ter uns quatro anos de idade, não se conteve e começou a gargalhar. Seus olhinhos brilharam. Por alguns segundos a alegria ficou estampada em seu rosto e sobrepujou totalmente o cansaço e as consequências indesejáveis da quimioterapia. Era hora de se esquecer da dor e dar lugar à descontração; esse esquecimento trazia a esperança da cura, esperança que é parte essencial do tratamento e remete a um futuro melhor para aqueles gigantes com menos de um metro e meio de altura.

Pai ou mãe herói/heroína; quando te deparares com aquele olhar triste e inocente de alguém que quer muito se tornar adulto mas não tem forças sequer para brincar, não dize nada. Apenas sê forte e abraça-o. Respeita seu momento de recuperação. Mas ao ver aquelas palhaçadas trazerem o sorriso de volta à sua diminuta face, deixa-o lembrar-te de que a verdadeira felicidade é simples, de que às vezes os momentos mais inesquecíveis são os mais despretensiosos. Então, que aquela pessoa pequenina, com sua gigantesca sede de conhecimento e crescimento, sirva de lição aos já crescidos que têm ambições desmedidas e plante ela mesma uma semente em ti. A semente da compaixão e do amor.