– Oi Vilma – diz Luizinho. – Reunião com o diretor?
– Nem me fale. Estou hiper atrasada.
Vilma entra esbaforida pelo portão da escola,
acompanhada por Luizinho. Faltam apenas dez minutos para a primeira aula e ela
ainda tem uma reunião relâmpago com os líderes de classe do quarto ano e com o diretor
da escola. Há seis meses como líder da sua turma, Vilma pretende tirar proveito
da experiência do amigo para se reeleger. Ele é um ano mais velho e já é líder há um ano. É como um mentor para ela. Com seus dez anos de idade, ela
é bem popular na escola. Os cabelos curtos realçam os sempre bem escolhidos
brincos e o batom impecável. Bem que ela gostaria de usar alguma maquiagem,
talvez algo para destacar mais os olhos, mas sua mãe
acha que ela ainda é jovem para isso.
Eles seguem pelo corredor e sobem pelas escadarias.
Alguns alunos estão sentados ali conversando e os cumprimentam.
– Aceita um chiclete? – Pergunta Luizinho.
– Não, obrigada.
Luizinho parece estar mais apreensivo com as eleições
da turma dela, que serão no dia seguinte, do que ela própria. Dá para perceber
isso quando ele começa a passar as mãos por sua barba imaginária.
– Ah ,Vilma, já notou minha barba? Acho que nessa
semana cresceu mais! – Luizinho aponta para algumas penugens entre os lábios e
o nariz. Algo como um projeto de bigode. A expressão daquele baixinho é triunfante.
– Tá doido, Luizinho? Não tem nada ai.
A fixação de Luizinho por ter uma barba espessa era
notória na escola. Havia uma certa competição entre os meninos do quinto ano
para ver quem começaria primeiro a usar o barbeador do pai. Aparentemente,
Luizinho estava certo de que ganharia.
Eles despedem-se rapidamente e ela entra já
atrasada na sala do diretor. Todos estão presentes. Na pauta da reunião, nada
demais. Apenas alguns informes que os líderes deveriam repassar aos colegas
naquela semana, acerca das festas juninas.
Ao entrar para a aula de matemática, Vilma
cumprimenta todos os que vê pela frente. Precisa ser simpática com todos.
Senta-se e nota que Amécio, sentado mais à frente e duas fileiras à direita,
está conversando todo sorridente com uma amiga dela. Isso não é nada bom. Vilma
já tinha advertido que ele não era boa influência. Amécio também estava
concorrendo para a vaga de líder de classe. Era também bastante influente, e o único
que ela considerava uma ameaça real.
Algum tempo depois, a sirene toca. Hora do recreio.
Vilma vai até o pátio para conversar com Luizinho, que a espera debaixo de uma árvore.
– Mas é um banana mesmo, não é? – Diz Luizinho ao
ver Amécio passar com alguns colegas.
– Nossa, o que você tem contra ele? – Pergunta Vilma.
– E esse amigo dele, o Fernandinho, é metido a
sabichão. Só porque tira dez em tudo se acha o cara. Olha, você tem que fazer
tudo para Amécio não ganhar. Qualquer um menos ele.
Luizinho é da mesma turma que Fernandinho. Um rival
antigo.
– Parece que tem uma galera que gosta dele – diz Vilma.
– Eu não vou com a cara dele – Luizinho alterna o
olhar entre ela e Amécio, que senta-se perto da cantina. Passa novamente as mãos
na barba imaginária. – Eu já andei espalhando a verdade pela sua turma.
– Que verdade?
– Que ele rouba quando joga bola de gude. Não é
mentira não. Eu já vi. Se depender de mim, ele não ganha. Sua turma merece alguém
como você. Um líder de classe precisa ser exemplo para todo mundo. Tá certo que
ninguém é santo, mas vale qualquer coisa para evitar o pior.
Há uma semana, houve um pequeno confronto no pátio
da escola. Amécio, acompanhado por alguns colegas, trocou algumas
palavras com Luizinho e Vilma. Na ocasião, os colegas de Amécio acusavam Luizinho,
o grande mentor de Vilma, de roubar nas corridas de tampinha e nos jogos de futebol, coisa que ele
sempre negou. Vilma também não era poupada, sendo acusada de pagar o lanche de
alguns “eleitores” para ganhar votos, e também de distribuir balas com mais
frequência do que deveria, sempre orientada pelo mentor. Amécio chegou a dizer
que o melhor para a turma seria livrar-se daquela dupla, ao que Luizinho apenas
respondia “a urna vai dar a resposta”.
“A urna vai dar a resposta.” É esse o bordão
preferido do comunicativo Luizinho. E naquele último recreio antes das eleições
do dia seguinte ele parece mais ativo do que nunca. Após terminar de
conversar com Vilma, começa a perambular pelo pátio, por entre os alunos da
turma dela, distribuindo sorrisos e apertos de mão. Amécio não é tão
habilidoso, mas também tenta. Ele e o mentor Fernandinho têm seus
simpatizantes, mas a expressão de triunfo de Luizinho é imbatível. E assim
segue até o fim do recreio.
As aulas seguem arrastadas para Vilma.
Quando vai para casa, não consegue pensar em outra coisa senão nas eleições.
É uma questão de honra para ela também. Por tudo o que seu guru havia falado,
realmente não dá para colocar um garoto como Amécio para liderar aquela
galera. Seria o caos para todos. Para a escola, para os colegas, para todo
mundo. Ela não é perfeita, mas como dizia Luizinho, precisam evitar o pior.
No dia seguinte, já na primeira aula, todos chegam
cedo. Antes mesmo da aula, a professora já providencia a eleição do líder.
Coloca uma urna improvisada sobre a mesa e usa a lista de chamada para convocar
os alunos, um por um, a se aproximar e depositar um papel com o nome do
escolhido. Quem quer se abster pode simplesmente não
depositar o voto.
Logo depois, a professora abre a urna e começa a
ditar os votos em voz alta, enquanto vai contabilizando numa folha. A esperança
inicial de Vilma vai dando lugar à decepção. O resultado final é tudo menos o
que ela esperava.
Já no recreio, ela encontra-se com Luizinho.
– E aí? Como foi? – Luizinho acaricia sua barba
imaginária com ambas as mãos. A expectativa é evidente.
– Não ganhei...
– Não acredito! – Ele se vira, olha para os próprios
pés. Permanece alguns segundos assim, suspirando, e então se vira novamente para ela. – Aquele Amécio ganhou!
– Também não.
– Como assim?
Vilma conta a ele como foram as eleições, e ao
final mostra a contagem de votos. Amécio: 11 votos. Vilma: 13 votos. Hélcio:
16 votos.
– Hélcio? Quem é Hélcio? – Luizinho está inconsolável.
– É um cara meio apagado na classe. Não conheço
muito bem.
Alguns da turma dela ficaram espantados, mas
obviamente a maioria não ficou. Hélcio, o cara que não se mete na briga política,
sem atrativos políticos, sem habilidade de fazer conchavos, era visto até pela
professora como o mais improvável ganhador. Mas aparentemente o cansaço daquilo
tudo, de todas aquelas picuinhas, fez os alunos apostarem menos na articulação
política e mais na ética.
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