domingo, 10 de março de 2013

Crônica #12 - Quem vencerá as eleições?


– Oi Vilma – diz Luizinho. – Reunião com o diretor?
– Nem me fale. Estou hiper atrasada.

Vilma entra esbaforida pelo portão da escola, acompanhada por Luizinho. Faltam apenas dez minutos para a primeira aula e ela ainda tem uma reunião relâmpago com os líderes de classe do quarto ano e com o diretor da escola. Há seis meses como líder da sua turma, Vilma pretende tirar proveito da experiência do amigo para se reeleger. Ele é um ano mais velho e já é líder há um ano. É como um mentor para ela. Com seus dez anos de idade, ela é bem popular na escola. Os cabelos curtos realçam os sempre bem escolhidos brincos e o batom impecável. Bem que ela gostaria de usar alguma maquiagem, talvez algo para destacar mais os olhos, mas sua mãe acha que ela ainda é jovem para isso.

Eles seguem pelo corredor e sobem pelas escadarias. Alguns alunos estão sentados ali conversando e os cumprimentam.

– Aceita um chiclete? – Pergunta Luizinho.
– Não, obrigada.

Luizinho parece estar mais apreensivo com as eleições da turma dela, que serão no dia seguinte, do que ela própria. Dá para perceber isso quando ele começa a passar as mãos por sua barba imaginária.

– Ah ,Vilma, já notou minha barba? Acho que nessa semana cresceu mais! – Luizinho aponta para algumas penugens entre os lábios e o nariz. Algo como um projeto de bigode. A expressão daquele baixinho é triunfante.
– Tá doido, Luizinho? Não tem nada ai.

A fixação de Luizinho por ter uma barba espessa era notória na escola. Havia uma certa competição entre os meninos do quinto ano para ver quem começaria primeiro a usar o barbeador do pai. Aparentemente, Luizinho estava certo de que ganharia.

Eles despedem-se rapidamente e ela entra já atrasada na sala do diretor. Todos estão presentes. Na pauta da reunião, nada demais. Apenas alguns informes que os líderes deveriam repassar aos colegas naquela semana, acerca das festas juninas.

Ao entrar para a aula de matemática, Vilma cumprimenta todos os que vê pela frente. Precisa ser simpática com todos. Senta-se e nota que Amécio, sentado mais à frente e duas fileiras à direita, está conversando todo sorridente com uma amiga dela. Isso não é nada bom. Vilma já tinha advertido que ele não era boa influência. Amécio também estava concorrendo para a vaga de líder de classe. Era também bastante influente, e o único que ela considerava uma ameaça real.

Algum tempo depois, a sirene toca. Hora do recreio. Vilma vai até o pátio para conversar com Luizinho, que a espera debaixo de uma árvore.

– Mas é um banana mesmo, não é? – Diz Luizinho ao ver Amécio passar com alguns colegas.
– Nossa, o que você tem contra ele? – Pergunta Vilma.
– E esse amigo dele, o Fernandinho, é metido a sabichão. Só porque tira dez em tudo se acha o cara. Olha, você tem que fazer tudo para Amécio não ganhar. Qualquer um menos ele.

Luizinho é da mesma turma que Fernandinho. Um rival antigo.

– Parece que tem uma galera que gosta dele – diz Vilma.
– Eu não vou com a cara dele – Luizinho alterna o olhar entre ela e Amécio, que senta-se perto da cantina. Passa novamente as mãos na barba imaginária. – Eu já andei espalhando a verdade pela sua turma.
– Que verdade?
– Que ele rouba quando joga bola de gude. Não é mentira não. Eu já vi. Se depender de mim, ele não ganha. Sua turma merece alguém como você. Um líder de classe precisa ser exemplo para todo mundo. Tá certo que ninguém é santo, mas vale qualquer coisa para evitar o pior.

Há uma semana, houve um pequeno confronto no pátio da escola. Amécio, acompanhado por alguns colegas, trocou algumas palavras com Luizinho e Vilma. Na ocasião, os colegas de Amécio acusavam Luizinho, o grande mentor de Vilma, de roubar nas corridas de tampinha e nos jogos de futebol, coisa que ele sempre negou. Vilma também não era poupada, sendo acusada de pagar o lanche de alguns “eleitores” para ganhar votos, e também de distribuir balas com mais frequência do que deveria, sempre orientada pelo mentor. Amécio chegou a dizer que o melhor para a turma seria livrar-se daquela dupla, ao que Luizinho apenas respondia “a urna vai dar a resposta”.

“A urna vai dar a resposta.” É esse o bordão preferido do comunicativo Luizinho. E naquele último recreio antes das eleições do dia seguinte ele parece mais ativo do que nunca. Após terminar de conversar com Vilma, começa a perambular pelo pátio, por entre os alunos da turma dela, distribuindo sorrisos e apertos de mão. Amécio não é tão habilidoso, mas também tenta. Ele e o mentor Fernandinho têm seus simpatizantes, mas a expressão de triunfo de Luizinho é imbatível. E assim segue até o fim do recreio.

As aulas seguem arrastadas para Vilma. Quando vai para casa, não consegue pensar em outra coisa senão nas eleições. É uma questão de honra para ela também. Por tudo o que seu guru havia falado, realmente não dá para colocar um garoto como Amécio para liderar aquela galera. Seria o caos para todos. Para a escola, para os colegas, para todo mundo. Ela não é perfeita, mas como dizia Luizinho, precisam evitar o pior.


No dia seguinte, já na primeira aula, todos chegam cedo. Antes mesmo da aula, a professora já providencia a eleição do líder. Coloca uma urna improvisada sobre a mesa e usa a lista de chamada para convocar os alunos, um por um, a se aproximar e depositar um papel com o nome do escolhido. Quem quer se abster pode simplesmente não depositar o voto.

Logo depois, a professora abre a urna e começa a ditar os votos em voz alta, enquanto vai contabilizando numa folha. A esperança inicial de Vilma vai dando lugar à decepção. O resultado final é tudo menos o que ela esperava.

Já no recreio, ela encontra-se com Luizinho.

– E aí? Como foi? – Luizinho acaricia sua barba imaginária com ambas as mãos. A expectativa é evidente.
– Não ganhei...
– Não acredito! – Ele se vira, olha para os próprios pés. Permanece alguns segundos assim, suspirando, e então se vira novamente para ela. – Aquele Amécio ganhou!
– Também não.
– Como assim?

Vilma conta a ele como foram as eleições, e ao final mostra a contagem de votos. Amécio: 11 votos. Vilma: 13 votos. Hélcio: 16 votos.

– Hélcio? Quem é Hélcio? – Luizinho está inconsolável.
– É um cara meio apagado na classe. Não conheço muito bem.

Alguns da turma dela ficaram espantados, mas obviamente a maioria não ficou. Hélcio, o cara que não se mete na briga política, sem atrativos políticos, sem habilidade de fazer conchavos, era visto até pela professora como o mais improvável ganhador. Mas aparentemente o cansaço daquilo tudo, de todas aquelas picuinhas, fez os alunos apostarem menos na articulação política e mais na ética.

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