O texto abaixo é baseado em
fatos reais, mas trata-se de ficção.
No último carnaval, dois
blocos inusitados percorreram alguns hospitais. No Rio, o Bloco da Seringa
Solta. Em Recife, o Bloco do Miolinho Mole. Era o carnaval dos Doutores da
Alegria invadindo os territórios dos médicos. As bandas seguiam pelos
corredores sem pedir licença, e alguns médicos e pacientes, muitos já
devidamente adornados, vinham para assistir à passagem dos palhaços. Com astral
lá em cima, eles não deixavam a peteca cair.
Em Pernambuco, naquele ambiente
gélido onde as visitas muitas vezes não são suficientes para a necessidade de
esperança dos internados, havia um grupo de pequenos heróis na ala pediátrica.
Eram crianças. Muitas delas lutando para viver sem nem mesmo ter ideia do
tamanho do desafio que tinham pela frente. Já que não podiam sair para ver o
carnaval, o carnaval veio até elas.
Cantando variantes de
marchinhas conhecidas, como Mamãe eu Quero, Abre Alas e Saca Rolhas, eles
seguiam à caça dos pequenos. Pacientes com sondas que passeavam pelos
corredores recebiam suas injeções de alegria. As enfermeiras participavam,
ajudando a aumentar o coro. Médicos davam as boas vindas e assistiam ao bloco
atrapalhado que desfilava. Num dado momento, eles entraram numa sala onde havia
crianças se recuperando dos seus tratamentos. Todas arregalaram os olhos para
ver aquela turma. Mesmo ali, deitadas, algumas já vestiam fantasias devidamente
providenciadas pelos pais.
Os palhaços então começaram com
o barulho. Não deixariam ninguém dormir. De repente, dois deles puseram um
tambor sobre a cabeça de um terceiro, cobrindo-a, e intensificaram as batucadas.
Logo depois, entoaram algumas marchinhas inéditas e específicas para aquele público-alvo,
para então formar uma espécie de trenzinho da alegria que ia passando por entre
os leitos. Chegavam a curvar-se para cantarolar mais próximos a alguns dos
pequenos pacientes.
Uma garotinha sem cabelo
algum, aparentando ter uns quatro anos de idade, não se conteve e começou a
gargalhar. Seus olhinhos brilharam. Por alguns segundos a alegria ficou
estampada em seu rosto e sobrepujou totalmente o cansaço e as consequências indesejáveis
da quimioterapia. Era hora de se esquecer da dor e dar lugar à descontração; esse
esquecimento trazia a esperança da cura, esperança que é parte essencial do
tratamento e remete a um futuro melhor para aqueles gigantes com menos de um
metro e meio de altura.
Pai ou mãe herói/heroína; quando
te deparares com aquele olhar triste e inocente de alguém que quer muito se
tornar adulto mas não tem forças sequer para brincar, não dize nada. Apenas sê
forte e abraça-o. Respeita seu momento de recuperação. Mas ao ver aquelas palhaçadas
trazerem o sorriso de volta à sua diminuta face, deixa-o lembrar-te de que a
verdadeira felicidade é simples, de que às vezes os momentos mais inesquecíveis
são os mais despretensiosos. Então, que aquela pessoa pequenina, com sua gigantesca
sede de conhecimento e crescimento, sirva de lição aos já crescidos que têm
ambições desmedidas e plante ela mesma uma semente em ti. A semente da
compaixão e do amor.
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