domingo, 3 de março de 2013

Crônica #11 - Doutores da alegria



O texto abaixo é baseado em fatos reais, mas trata-se de ficção.

No último carnaval, dois blocos inusitados percorreram alguns hospitais. No Rio, o Bloco da Seringa Solta. Em Recife, o Bloco do Miolinho Mole. Era o carnaval dos Doutores da Alegria invadindo os territórios dos médicos. As bandas seguiam pelos corredores sem pedir licença, e alguns médicos e pacientes, muitos já devidamente adornados, vinham para assistir à passagem dos palhaços. Com astral lá em cima, eles não deixavam a peteca cair.

Em Pernambuco, naquele ambiente gélido onde as visitas muitas vezes não são suficientes para a necessidade de esperança dos internados, havia um grupo de pequenos heróis na ala pediátrica. Eram crianças. Muitas delas lutando para viver sem nem mesmo ter ideia do tamanho do desafio que tinham pela frente. Já que não podiam sair para ver o carnaval, o carnaval veio até elas.

Cantando variantes de marchinhas conhecidas, como Mamãe eu Quero, Abre Alas e Saca Rolhas, eles seguiam à caça dos pequenos. Pacientes com sondas que passeavam pelos corredores recebiam suas injeções de alegria. As enfermeiras participavam, ajudando a aumentar o coro. Médicos davam as boas vindas e assistiam ao bloco atrapalhado que desfilava. Num dado momento, eles entraram numa sala onde havia crianças se recuperando dos seus tratamentos. Todas arregalaram os olhos para ver aquela turma. Mesmo ali, deitadas, algumas já vestiam fantasias devidamente providenciadas pelos pais.

Os palhaços então começaram com o barulho. Não deixariam ninguém dormir. De repente, dois deles puseram um tambor sobre a cabeça de um terceiro, cobrindo-a, e intensificaram as batucadas. Logo depois, entoaram algumas marchinhas inéditas e específicas para aquele público-alvo, para então formar uma espécie de trenzinho da alegria que ia passando por entre os leitos. Chegavam a curvar-se para cantarolar mais próximos a alguns dos pequenos pacientes.

Uma garotinha sem cabelo algum, aparentando ter uns quatro anos de idade, não se conteve e começou a gargalhar. Seus olhinhos brilharam. Por alguns segundos a alegria ficou estampada em seu rosto e sobrepujou totalmente o cansaço e as consequências indesejáveis da quimioterapia. Era hora de se esquecer da dor e dar lugar à descontração; esse esquecimento trazia a esperança da cura, esperança que é parte essencial do tratamento e remete a um futuro melhor para aqueles gigantes com menos de um metro e meio de altura.

Pai ou mãe herói/heroína; quando te deparares com aquele olhar triste e inocente de alguém que quer muito se tornar adulto mas não tem forças sequer para brincar, não dize nada. Apenas sê forte e abraça-o. Respeita seu momento de recuperação. Mas ao ver aquelas palhaçadas trazerem o sorriso de volta à sua diminuta face, deixa-o lembrar-te de que a verdadeira felicidade é simples, de que às vezes os momentos mais inesquecíveis são os mais despretensiosos. Então, que aquela pessoa pequenina, com sua gigantesca sede de conhecimento e crescimento, sirva de lição aos já crescidos que têm ambições desmedidas e plante ela mesma uma semente em ti. A semente da compaixão e do amor.

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