domingo, 24 de março de 2013

A jornada que começou com uma página em branco


E no início, havia apenas uma ideia... Mentira, não havia nada.

Muitos escritores descrevem o início o processo de escrita assim: “Num belo dia, eu estava lavando louça, quando uma ideia genial me ocorreu. Então, comecei a escrever.” Ou então: “Eu estava sentado no vaso sanitário, quando uma ideia para uma outra obra (não sólida) surgiu na minha mente. Assim que terminei de me limpar, comecei a escrever compulsivamente.” Mas comigo foi diferente. Acatei a sugestão da minha esposa, de escrever um livro, e fui atrás da ideia.

Sem experiência em criar romances, tentei imaginar algumas tramas muito mirabolantes, mas estava realmente sem rumo. Então, vi que facilitaria bastante se eu soubesse quem seria o protagonista. Obviamente, minha primeira aposta foi num analista de sistemas, mais ou menos com a mesma idade que eu. Entretanto, eu não conseguia imaginar histórias muito empolgantes com isso, e foi daí que veio a ideia de ter um protagonista que tivesse porte de armas. Pronto, um perito criminal, da Polícia Federal. Estava decidido. A partir do protagonista, a história começou a tomar forma.

Em busca de orientações, visitei todos os sites possíveis sobre como escrever um romance, como criar um personagem, o gerenciamento do ponto de vista dos personagens, etc. Não havia muita coisa em português, até porque o mercado editorial americano é muito maior e mais profissional que o nosso. Lá, existem mais cursos de escrita criativa, a figura do agente literário está mais presente, e há, teoricamente, mais gente escrevendo. Li tudo o que pude a respeito, inclusive dicas de escritores famosos. Cheguei a um ponto em que os resultados das buscas no Google sobre esses temas já vinham todos destacados como links já visitados. Algumas coisas básicas ficaram claras:

1) Pelo menos durante cada "ciclo de escrita", é absolutamente necessário escrever diariamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Do contrário, perde-se a continuidade do processo criativo.

2) É preciso ler muito.

3) Se escrever parece algo trabalhoso, é porque realmente é. O escritor deve simplesmente aceitar esse fato.

Naquela época, logo após ter me casado, passei a ser um leitor voraz de romances, além de ter que dar conta de escrever diariamente. Minha esposa me viu devorando às vezes um bom volume por semana, dados os outros compromissos diários. De lá para cá, vários autores passaram pelo meu olhar cada vez mais crítico, que tentava captar os erros e acertos de cada um deles: Carlos Ruiz Zafón, Dan Brown, Eduardo Sphor, Ernest Hemingway, Jô Soares, Marçal Aquino, Raphael Draccon, Rubem Fonseca, Scott Turow, Stephen King, Stieg Larrson, Umberto Eco, Vladimir Nabokov e outros. São estilos bem diferentes, tendo cada um seus próprios pontos fortes e fracos.

A dificuldade inicial para sequer imaginar os pormenores de cada cena e a apreensão que aquela página em branco do processador de textos trazia foram se transformando em algo mais fluido, na medida em que os ciclos de escrita foram sendo completados. Ao fim de cada ciclo, eu tinha uma versão do livro em potencial, que era teoricamente melhor do que a anterior. Nos primeiros ciclos, quando a espinha dorsal da trama estava ainda frágil, lembro-me de ir para a cama remoendo algumas ideias, e de acordar por vezes de madrugada para beber água e tomar nota de algumas possibilidades para a trama que haviam acabado de me ocorrer.

Lembro-me de que entre a quarta e a quinta versão, se não me engano, joguei tudo fora e comecei do zero, passando a manter uma planilha para controlar o que acontecia em cada capítulo, e também outra planilha contendo as característica comportamentais e psicológicas de todos os personagens.

Durante a gestação do meu filho (no sentido estrito da palavra), deixei o livro de lado por alguns meses, possivelmente por não acreditar realmente que aquilo pudesse resultar em algo relevante. Mas, perto dele nascer, pensei que se eu não retomasse logo aquilo, se eu esperasse meu filho ficar mais crescido para só então continuar, aí mesmo era que eu poderia considerar meu livro morto. Então, decidi continuar. Mesmo sob forte privação de sono por causa do recém-nascido, eu teria que escrever pelo menos quinhentas palavras por dia, e assim foi.

O processo de criação de um livro é, para mim, algo essencialmente introspectivo. Posso fazer uso das minhas experiências com todos com quem convivo, trazer à minha mente lembranças obtidas das mais diversas formas, etc. Mas, no momento em que estou escrevendo, preciso estar só. Somente eu e o processador de textos, com o navegador da internet devidamente desativado. Se eu precisava escrever por um determinado tempo mínimo diariamente, tinha que realmente escrever. Navegar na internet não é escrever. Pesquisar coisas no Google para o livro também não é escrever. Para escrever algo que valha a pena, eu tinha que, simplesmente, escrever, e sozinho, depois de todos terem ido dormir.

Aqueles que aspiram construir seus castelos (crônicas são biscoitos, e romances são castelos) podem atém pensar na possibilidade de participar de comunidades de escritores na internet, onde os membros compartilham seus trabalhos à medida que vão evoluindo seus livros, mas isso não funcionaria comigo. Eu imagino esse tipo de colaboração como a seguinte cena: todos os dias, para escrever meu livro, eu vou a uma sala com uma mesa enorme, para vinte lugares. Sento-me na minha cadeira, e todos os outros dezenove escritores fazem o mesmo. Num dado momento, quando eu termino de escrever a página do dia, levando-a e grito “pessoal, escrevi uma página! Alguém quer revisar?”. Então, alguém toma a minha página, e eu prontamente pego a de alguém para dar meu feedback. Agora diga-me, nobre leitor, você acha realmente que isso funciona? A obra está pela metade, só tenho fragmentos, e tenho que parar para receber feedback, além de parar para dar feedback aos demais. Não haveria como eu concluir algo inteiro, um texto fim-a-fim, sem parar para ter feedback, e isso atrapalharia meu ritmo. Para textos curtos pode até funcionar, mas para um romance, pelo menos comigo, não funciona. Prefiro ter um bom feedback, e profissional, ao final de tudo. Inclusive tenho vergonha de mostrar o andamento à minha esposa. Até eu receber a boneca definitiva, o exemplar de prova, ela não teve acesso ao texto.

Voltando ao processo por que passei, durante alguns dos últimos ciclos de escrita, procurei a ajuda de policiais para ajudar na ambientação da história. Entrei em contato por e-mail com uma ex-delegada da DRCI (Delegacia de Repressão a Crimes de Informática), que prontamente me deu o endereço de e-mail de um inspetor dessa delegacia. Mandei uma mensagem para ele que, resumindo, perguntava como era o ciclo de vida de um inquérito. Ele não respondeu à minha mensagem. Tentei também a ajuda de um perito criminal, ex-professor meu, mas sem sucesso. Talvez ele tenha achado que seria muito importunado. Então, desisti. Aliás, vi que a trama realmente não seria afetada se eu não tivesse a ajuda de um inspetor ou perito. A única ajuda que consegui foi uma mensagem da ouvidoria da Polícia Federal de São Paulo. Eu precisava saber pelo menos em que andar o Departamento Técnico Científico da superintendência daquela cidade ficava, ao que fui prontamente atendido.

Os ciclos de escrita foram se passando, até que cheguei ao final do décimo-primeiro, quando pensei que tinha algo que valia a pena ser enviado às grandes editoras. Gastei algum dinheiro então para imprimir e enviar meu livro à Companhia das Letras, Verus, Rocco, etc. Porém, não esperei pela resposta delas e fiz o que deveria ter feito antes de enviar os manuscritos: encomendei um serviço de leitura crítica, que gera como resultado um parecer acerca da qualidade da obra.

Quando recebi o parecer, aí eu vi que não havia chance alguma das editoras aceitarem a obra naquele estado. O parecerista apontou diversos problemas, como personagens desnecessários, final esticado demais, falta de suspense (para o gênero ao qual o livro se propõe), preocupação excessiva em deixar o texto certinho, etc. Foram muitas coisas que, sob o olhar crítico e sincero dele, me deixaram até um pouco desanimado. Porém, ele gostou bastante da ambientação e da trama. Se ele gostou da trama, que é a espinha dorsal do livro, pensei, então aquilo ainda tinha salvação.

Trabalhei com afinco para gerar uma outra versão: a décima segunda, que resolvia todos os problemas e ia até um passo além, ao crescer um pouco a importância de um dos personagens que estava em segundo plano. O parecerista, que se chama Eric Novello (também é escritor), me vez ver as várias oportunidades que havia no meu livro. Aliás, esse é um conselho que dou a qualquer um que planeja escrever um livro: quando achar que o livro está perfeito, submeta-o a uma leitura crítica e imparcial. Você não imagina o bem que isso fará à sua obra. Mas esteja preparado para tudo, até para que o parecer final seja: “você escreveu o livro errado”. Não espere um afago no seu ego.

Quando concluí esta versão, decidi que iria publicar por conta própria, e foi aí que entrei em contato com a Bookmakers, cujo dono tem mais de vinte anos de experiência no mercado editorial, já traduziu obras importantes como “Ponto de Impacto” de Dan Brown, fundou a Editora 34, etc. O meu primeiro contato desta editora foi a Thalita Uba, que conduz a produção do meu livro até hoje. Ela foi a primeira pessoa a ler o livro. Lembro-me de ela der respondido ao meu email, comentando: “gostei muito do seu senso de humor, das histórias entrelaçadas e da forma como o enredo flui, é bem dinâmico.” É curioso como “senso de humor” não havia sido uma das minhas preocupações explícitas durante a escrita, mas algumas cenas acabaram refletindo isso. Eu não esperava que fosse uma das principais coisas a chamar a atenção de alguém. Mas, como diria Eric Novello, é essa a beleza da arte: cada um aprecia de uma forma diferente. Outra pessoa poderia nem prestar atenção ao senso de humor, absorvendo outros detalhes da história.

Sobre o esforço total da obra, vou dizer algo que talvez dê uma ideia àqueles que já leram minhas crônicas. Depois de quatro anos de escritas e reescritas, a obra final ficou com pouco mais que 120 mil palavras, cerca 240 vezes maior que uma crônica. Porém, o esforço para escrevê-la foi muito, mas muito maior do que o esforço de escrever uma crônica multiplicado por 240.

Não sei quantos exemplares conseguirei vender de “O próximo alvo”. Talvez cem, talvez dez, talvez meia dúzia. Mas vocês podem ter certeza de uma coisa: hoje tenho enfim um texto do qual não tenho vergonha de mostrar às pessoas.

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