Observando meu fluxo de notícias no Facebook, me chama a atenção a forma
um pouco peculiar como alguns expressam suas emoções ou situações do cotidiano.
Não sei se para facilitar a classificação dos textos ou a busca por certos
temas anos depois – em que se pese a relevância cultural dos posts para o
futuro da humanidade –, o uso excessivo de hashtags (#xyz) é algo que salta aos
olhos para alguém como eu, que precisa comunicar-se por escrito fora da rede
social.
Então, fico imaginando como seria nossa vida cotidiana se as emoções
fossem truncadas como são no Facebook. Toda uma gama de situações teriam que se
resumir a dois ou três tipos de “estado de espírito”. Imagine, nobre leitor,
que saio para almoçar no meio do expediente com alguns colegas de trabalho:
Estou sentado com mais três pessoas a uma mesa redonda, num restaurante
à la carte. Observo o menu e digo:
– O que vocês vão querer? Aqui há arroz de pato, tornedor de mignon ao
molho madeira... Eles têm também massas. Aliás, há várias opções de carne.
– Carne – diz um deles, sem desgrudar os olhos do smartphone. Imagino
que se trata do filé mignon, mas não tenho tanta certeza.
– Ruim – diz o outro, igualmente hipnotizado pela tela do seu aparelho.
– Que tal optarmos por esse churrasco misto? – Pergunto eu. – Serve bem
quatro pessoas.
– Bom
O três dizem exatamente a mesma palavra. Nenhum deles olha para mim.
Estão todos imersos na rede social. Está decidido.
Depois do almoço está agendada uma daquelas reuniões de trabalho
maçantes. Antes de entrar, comento com Genialdo e Carlos sobre os temas da
reunião.
– Ruim – diz Genialdo, olhando o próprio iPhone.
– Ruim – Carlos também não desgruda do seu Samsung.
Pergunto como eles analisam a problemática dos atrasos nas entregas dos
projetos, frente ao crescente nível de exigência do cliente, que quer preços
cada vez mais baixos e prazos cada vez mais curtos.
– Ruim – Ambos resumem todo o problema a uma palavra, já sentando-se à
mesa de reunião, continuando a olhar seus aparelhos. Percebo que todos os
outros oito presentes também estão atualizando suas redes sociais.
Fora a situação acima, não quero nem imaginar como seria a produção de
poesias num mundo de hashtags. Mas já dá para pensar como seriam os romances.
Texto “normal”:
“E Sofia saiu do trem. Ele já a aguardava na plataforma, de pé, vestindo
o sobretudo enigmático de sempre. O coração dela pulsava. A respiração ofegante
e o rubor da sua pele tornariam impossível esconder o que sentia.
Aproximando-se com os olhos magneticamente atraídos pelos dele, chega a
parar a poucos centímetros de distância. O calor que aquele corpo alto e forte emanava
era facilmente percebido pelos sentidos de Sofia, que agora eram todos dele e
estavam especialmente aflorados. Os lábios pareciam já saber o caminho. Então,
ele acariciou o seu rosto, levou a mão até a sua nuca e concretizou aquilo no
que ela pensara durante toda a viagem: aqueles beijos que sempre pareciam os
últimos de suas vidas.”
Texto “social”:
"Sofia saiu do trem.
#saudade #homembonito #beijo #aimeudeus #tudodebom"
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