domingo, 17 de fevereiro de 2013

Crônica #9 - 100g, 200g



– Quero cem gramas de presunto e duzentos gramas de muçarela – disse eu, ao balcão de frios de um supermercado.

O funcionário me trouxe, pouco depois, cem gramas de presunto e cem gramas de muçarela.

– Não, amigo. Você não entendeu. São cem de presunto e duzentos de muçarela.

O funcionário desatento pegou as duas embalagens e errou novamente. Trouxe-me duzentos gramas de presunto e duzentos do queijo. Expliquei novamente.

O energúmeno ainda cometeu outro erro, e eu aceitei as pesagens do jeito que estavam. Instantes depois, já na fila para pagar as compras, me arrependi de tê-lo tratado mal mentalmente. Ele apenas não devia ter recebido treinamento suficiente. Além do mais, talvez eu devesse ter feito os pedidos de forma diferente.

A situação acima, verídica, mostra como um funcionário mal treinado pode causar uma depreciação. Não na qualidade do queijo vendido, mas na imagem da empresa. No caso, se eu não tivesse prestado atenção, minha esposa teria feito o seguinte comentário ao ver as compras em casa: “quem pesou meu queijo?” Analogias com títulos de livros de auto-ajuda à parte, o mundo corporativo está repleto de funcionários que recebem suas tarefas sem treinamento prévio. Tudo bem; as pessoas aprendem a aprender, inferem certas coisas e acabam desenrolando. Mas trata-se de uma questão de produtividade.

Se você pedir a alguém que passou a vida toda programando em Prolog para desenvolver algo em linguagem C, ela pode argumentar que não sabe nada da linguagem. Você diria a ela: “busca no Google.” Nem um livrinho de linguagem C. Somente a vastidão não estruturada da internet, a pequena parte que está ao alcance das ferramentas de busca, já seria suficiente. Seria somente uma questão de tempo até que aquela esponja absorvesse o conhecimento e virasse um craque da programação procedural. Se não virasse, seria por que não teria iniciativa. Não prestaria. Não seria “safo”, e daria lugar a outra pessoa mais “capacitada”. Na velocidade em que os clientes demandam conhecimento específico para projetos ainda mais específicos, é comum preferir gastar uma quantidade enorme de dinheiro buscando alguém já com experiência em vez de formar um especialista em casa.

Em qualquer empresa, especialmente nas que vivem de tecnologia da informação, há sempre algo a aprender. Mas esse “algo” muitas vezes é um conhecimento relativamente estruturado que seria mais bem assimilado com a ajuda de profissionais especializados em ensinar. Muitas empresas subestimam o valor de um bom professor. E claro, há o outro lado da moeda; muitos profissionais superestimam as buscas no Google e não se interessam em comprar livros ou em engajar-se em treinamentos. Aliás, cada vez mais vejo que a iniciativa de atualização, de buscar cursos, deve ser do profissional, que não deve ficar com sua bunda na cadeira esperando por iniciativas dos executivos. No mínimo, ele deve sugerir os treinamentos aos seus superiores e solicitar incentivos às certificações de que precisa.

Já vi tantos profissionais serem jogados em tarefas inéditas a eles que hoje tenho dúvidas sobre alguns dos quais tive má impressão. O que teriam mostrado se tivessem sido bem conduzidos? Existem pessoas que precisam ser conduzidas e existem as que se conduzem. Pessoas sem iniciativa, ou cujo trabalho não exige tanta iniciativa, também podem fazer um bom trabalho. É óbvio. Basta que lhes dêem as ferramentas certas.

No supermercado que mencionei, tenho certeza de que, caso tivesse sido bem treinado, o funcionário teria um bloco de notas preso à cintura e uma caneta sobre a orelha para anotar os pedidos mais extensos, com mais de um item. Alternativamente, teria uma atitude diferente; teria dito simplesmente: “Por favor senhor, uma coisa de cada vez.”

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