Nos meus tempos de boate, já
aqui no Rio, eu quase nunca encontrava um estabelecimento que desse qualquer sinal
de respeitar o limite de lotação. As casas noturnas entulhavam tanta gente que
ficava quase impossível percorrer em menos de alguns minutos os dez metros que
me distanciavam do bar. Pedir uma bebida era “um evento”, que precisava de
planejamento. Acho que só não deixavam mais gente entrar porque teriam que
começar a empilhar as pessoas. Havia inclusive uma boate na Lagoa que era famosa
por ser entupida de gente, e faço questão de frisar isso: todos sabiam.
Depois de tantas mortes em
Santa Maria, tudo está sendo investigado, e já imagino algum dono de boate
dando entrevista ao Fantástico. Apenas o perfil estaria aparecendo, a voz seria
modificada para ele não ser identificado, enfim. Ele diria “Todo mundo faz
isso. Se a capacidade declarada é quinhentos, a gente põe mil. Se respeitar o
limite, a gente perde competitividade, porque teria que aumentar o valor da
entrada. Aí a concorrência é desleal.”
Lealdade às vidas dos outros
deveria ser o mais importante. E o que aconteceu é a prova de que o jeitinho
brasileiro mata.
Lembro que certa vez estava
conversando com um alemão. Um colega de trabalho. Ele relatava que costumava dar
um jeito de não pagar o estacionamento perto de uma estação de trem no país
dele, mas que o funcionário que controlava o local já estava começando a
perceber o método que ele e alguns outros usavam para burlar o sistema.
A Alemanha e outros países mais
desenvolvidos possuem sem dúvida um sistema educacional muito mais desenvolvido
que o nosso, e não tenho dúvida de que eles têm bem mais civilidade que nós.
Porém, eles não são santos. O que realmente faz funcionar esses países é a ciência
das consequências dos atos dos cidadãos. Eles sabem que serão realmente punidos
caso cometam algum crime, e que a pena será aplicada com o máximo rigor da lei.
Aqui, quando você vê um criminoso assumir a presidência do senado, assumindo o
lugar de outro ladrão, pode realmente pensar que superlotar uma boate é o menor
dos crimes.
Na Alemanha, em contraste, se alguém
fizer algo errado, será punido e ponto. Se esse alguém foi (ou imagina que foi)
um grande herói no passado, que lutou contra a repressão, que ajudou a
construir o país, que se acha um mártir, que foi um grande líder político, etc.
Ainda assim, se cometer um crime, será punido.
Fico assistindo perplexo às
dezenas de fechamentos de casas noturnas e teatros nos últimos dias. Por que só
agora? Porque éramos todos coniventes. E agora estamos todos indignados.
Então, nobre leitor, quanto
vale uma vida? Sinto terminar a crônica sem saber dar a resposta. Simplesmente
não há nada que traga de volta aos lares das famílias das vítimas o que existia
antes, que é algo imensurável. Mas sei que aqui, na nossa pátria imensa e
alegre, a vida vale bem menos que em outros lugares.
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