domingo, 3 de fevereiro de 2013

Crônica #7 - Quanto vale uma vida?


Nos meus tempos de boate, já aqui no Rio, eu quase nunca encontrava um estabelecimento que desse qualquer sinal de respeitar o limite de lotação. As casas noturnas entulhavam tanta gente que ficava quase impossível percorrer em menos de alguns minutos os dez metros que me distanciavam do bar. Pedir uma bebida era “um evento”, que precisava de planejamento. Acho que só não deixavam mais gente entrar porque teriam que começar a empilhar as pessoas. Havia inclusive uma boate na Lagoa que era famosa por ser entupida de gente, e faço questão de frisar isso: todos sabiam.

Depois de tantas mortes em Santa Maria, tudo está sendo investigado, e já imagino algum dono de boate dando entrevista ao Fantástico. Apenas o perfil estaria aparecendo, a voz seria modificada para ele não ser identificado, enfim. Ele diria “Todo mundo faz isso. Se a capacidade declarada é quinhentos, a gente põe mil. Se respeitar o limite, a gente perde competitividade, porque teria que aumentar o valor da entrada. Aí a concorrência é desleal.”

Lealdade às vidas dos outros deveria ser o mais importante. E o que aconteceu é a prova de que o jeitinho brasileiro mata.

Lembro que certa vez estava conversando com um alemão. Um colega de trabalho. Ele relatava que costumava dar um jeito de não pagar o estacionamento perto de uma estação de trem no país dele, mas que o funcionário que controlava o local já estava começando a perceber o método que ele e alguns outros usavam para burlar o sistema.

A Alemanha e outros países mais desenvolvidos possuem sem dúvida um sistema educacional muito mais desenvolvido que o nosso, e não tenho dúvida de que eles têm bem mais civilidade que nós. Porém, eles não são santos. O que realmente faz funcionar esses países é a ciência das consequências dos atos dos cidadãos. Eles sabem que serão realmente punidos caso cometam algum crime, e que a pena será aplicada com o máximo rigor da lei. Aqui, quando você vê um criminoso assumir a presidência do senado, assumindo o lugar de outro ladrão, pode realmente pensar que superlotar uma boate é o menor dos crimes.

Na Alemanha, em contraste, se alguém fizer algo errado, será punido e ponto. Se esse alguém foi (ou imagina que foi) um grande herói no passado, que lutou contra a repressão, que ajudou a construir o país, que se acha um mártir, que foi um grande líder político, etc. Ainda assim, se cometer um crime, será punido.

Fico assistindo perplexo às dezenas de fechamentos de casas noturnas e teatros nos últimos dias. Por que só agora? Porque éramos todos coniventes. E agora estamos todos indignados.

Então, nobre leitor, quanto vale uma vida? Sinto terminar a crônica sem saber dar a resposta. Simplesmente não há nada que traga de volta aos lares das famílias das vítimas o que existia antes, que é algo imensurável. Mas sei que aqui, na nossa pátria imensa e alegre, a vida vale bem menos que em outros lugares.

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