Tenho plena consciência de que
cometo muitos deslizes ao falar e escrever, e não vou apontar o dedo para
aqueles que dizem as duas orações no título desta crônica para acusá-los de assassinos da Língua
Portuguesa. Porém, não posso deixar de registrar que elas são capazes, quando
lidas ou ouvidas, de interromper meus pensamentos por alguns segundos. São
capazes de desviar meu foco, não sei exatamente por quê.
Vamos à primeira: “Desculpe o
transtorno.”
Esta frase pode ser encontrada
facilmente em placas de qualquer obra de concessionária de serviços públicos.
Quando a companhia de gás vai abrir uma pequena cratera para manutenção das
tubulações, coloca uma placa com estes dizeres. Quando a concessionária de
energia elétrica precisa fazer algum reparo, coloca a mesma coisa, como se o
transtorno em si tivesse alguma culpa.
Quem desculpa, desculpa alguém
por algo (por favor, corrijam-me se eu estiver errado!). As concessionárias
poderiam escrever “desculpe-nos pelo transtorno” ou “desculpe pelo transtorno”.
A frase que eles usam me faz imaginar que eles têm algum funcionário que está
causando o problema, que é o real culpado, e nos pedem para desculpar esse
funcionário que se chama Transtorno.
Eu também já conheci muitos
Transtornos na minha carreira profissional. Desde aqueles que não respeitam a
vez de falar numa reunião, passando pelos que ficam puxando assuntos alheios ao
trabalho e atrapalhando a concentração de todos, até os que têm iniciativa zero
para resolver os próprios problemas e se tornam um peso de vinte toneladas para
a equipe. Existem ainda aqueles que são Transtornos bem conscientes do nome que
carregam, que colocam fotos da família ao redor do computador para evitar serem
demitidos, e os Transtornos mal-humorados. Quem leu a crônica em que menciono o famoso Genialdo Okara sabe do que estou falando. Imagine, nobre leitor, como seria um
projeto feito por uma equipe de Transtornos; boa coisa não sairia.
A segunda frase traz um erro
mais grave, na minha opinião: “ele vai vim”.
Sério, eu entendo quem confunde
o infinitivo do verbo com a primeira pessoa do singular do pretérito. São duas
formas até parecidas, mas sempre paro o que estou fazendo para identificar quem
é o dono da frase, que pode até ser meu amigo. Mas mesmo assim evito ser aquele
chato que fica corrigindo os erros dos outros. Às vezes estou bem concentrado
no meu trabalho, imerso em algum documento importante a ser entregue no mesmo
dia, quando ouço:
“Mas ele vai vim pra reunião?”
Paro o que estou fazendo.
Penso: “Puxa vida, o certo é vir.”
“Não. Acho que ele não vai vim,
mas Fulana vai.”
Penso: “Quase! Quase que ouço
dois na mesma frase.”
“Eu vou vim, Cicrano vai vim.
Quase todo mundo vai vim. Acho que a reunião vai ser produtiva. E você, Marcel?”
Aí é covardia. Fica impossível
manter a concentração. Aceno com a cabeça e levanto-me para espairecer.
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