sábado, 22 de dezembro de 2012

Crônica #1 - Ah, não!


Um homem chega à sua casa depois de ter enfrentado quase duas horas de engarrafamento. Na sala, encontra um sujeito de pouco mais de noventa e dois centímetros de altura, que diz: “agora, papai vai papá”.
Depois do jantar, o garoto pega uma bola proporcional ao seu tamanho e mostra que já aprendeu a esperar o fim da refeição.
Papai, papaiii, papai! Bincá! – Ele aponta para o quarto do casal.
Ambos vão ao quarto. O garoto posiciona cuidadosamente a bola perto dos pés da cama e a chuta, fazendo-a entrar em baixo da cama. Fica óbvio que o objeto esférico foi parar ali propositalmente. Mesmo assim, o pequeno homem posiciona as duas mãos sobre a cabeça e diz: “ah, não!”. Essa é a deixa para o pai praticar seu contorcionismo, deitando-se no chão e esticando-se para pegar a bola, sabendo que o filho vai repetir a brincadeira inúmeras vezes.
O garoto em questão existe. É o meu filho, que hoje tem pouco mais de dois anos de idade. Cada vez que ouço a exclamação em sua voz inocente, acho que ela se coaduna perfeitamente com um termo inerente ao mundo da Tecnologia da Informação: integração de sistemas.
Em qualquer projeto em que dois ou mais sistemas tenham que se comunicar, e disso todos podem ter absoluta certeza, haverá atrasos e desentendimentos, principalmente se os sistemas forem de fabricantes distintos. Diferentes equipes, diferentes metodologias de trabalho, diferentes prazos, diferentes expectativas, etc. Seria um milagre se tudo funcionasse bem. Invariavelmente chega-se a um ponto em que tudo precisa ser testado, e é aí que surge aquela situação do “ops”; pelo menos algum funcionário de um dos fornecedores de software que compõem a solução entendeu de forma errada o que devia ser feito, subestimou o esforço de desenvolvimento, superestimou a capacidade de seus recursos, não manteve o diálogo necessário com o cliente ou simplesmente foi um autêntico incompetente.
Da próxima vez que eu precisar ir a uma “reunião de status”, daquelas em que representantes de vários fabricantes de software estão juntos para dar satisfação ao cliente, levarei meu filho devidamente vestido com seu minitraje social. Já que por vezes tenho dificuldade em dar minha opinião, ele será o meu porta voz. Ficará no meu colo e assistirá a tudo, inclusive ao trecho das justificativas, única parte em que sinto muito orgulho quando não preciso me manifestar.
Veja bem, nós não conseguimos concluir os testes por causa do ambiente – diz o representante de um dos fornecedores, querendo dizer “não é culpa minha”.
O ambiente não ficou pronto a tempo devido ao atraso da equipe de banco de dados – diz o responsável pelo ambiente de testes.
Não havia como definir as tabelas sem as regras de negócio de todos os sistemas – diz o DBA.
Precisamos de autorização para fazer horas extras, pois nosso contrato já acabou – diz o responsável pelas correções no código-fonte. Na verdade, ele quer dizer “quero mais dinheiro, mesmo que a culpa também tenha sido minha.”
Duas horas se passam. Depois de ouvir as argumentações, o gerente de projetos que preside a reunião empertiga-se na cadeira, olha para todos em volta da enorme mesa e observa a projeção do cronograma na parede, com um vinco na testa e a expressão de quem já perdeu todas as esperanças de entregar tudo no prazo.
Fo...” – Penso na forma pretérita da terceira pessoa do singular de um verbo que é sinônimo de copular, mas jamais teria coragem de dizê-lo. Em vez disso, coloco meu filho sobre a mesa, de pé. Ele observa a projeção repleta de pontos vermelhos que demarcam os atrasos do projeto, arregala os olhos e posiciona as mãozinhas desajeitadas sobre a testa, ao mesmo tempo em que pronuncia: “ah, não!”.

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