domingo, 5 de maio de 2013

Crônica #19 - O dia do Malandro


O Malandro acordou enfim, às 8:55. Ele pegaria no trabalho às 9:00, mas todo mundo atrasa um pouquinho. Não faria mal chegar um pouco depois.
Levantou-se e foi até a cozinha. Não havia nada, nem na geladeira nem fora dela. Nem sequer um mísero pedaço de pão. Morar sozinho tem dessas coisas: se ele não reabastecer a casa, ela permanecerá vazia! Se ele não tirar a cueca de dentro do banheiro, ela permanecerá lá!

Precisou então vencer a preguiça. Trocou o short por uma bermuda, mantendo a camisa amarrotada com a qual dormira e sem sequer olhar-se no espelho, e foi até o mercado.

No caminho, flatos para relaxar.

Lá dentro, foi direto à seção dos pães.

Fala amigo, bom dia! Beleza? Vem cá, deixa eu te pedir uma coisa. Me dá três, por favor, bem moreninho ele disse aquilo sem olhar o atendente, observando o traseiro de uma mulher que estava passando. Pegou também uma bandeja de presunto e foi à seção de frutas.

"Já que esse mercado me rouba, vou roubar também."

Destacou uma banana de um dos cachos pendurados e a comeu ali mesmo, inteira. Logo depois, abriu uma das embalagens lacradas de uva Thompson e comeu umas dez. Pronto, o desjejum já tinha iniciado.

Levando o carrinho de compras ao caixa, passou pela seção dos biscoitos e chocolates. Pegou um Twix e começou a comer. Esse ele pretendia pagar; afinal, ele é uma pessoa correta.

Já na fila do caixa, terminou de comer o Twix bem na hora de começar a passar as compras.

"Ah, não vou pagar por um pedaço de plástico. Problema do mercado, que me deixa esperar na fila." Pensou ele, largando a embalagem no fundo do carrinho.

Já em casa, olhou para o relógio. Já eram 9:40, mas não havia problema, pois dali até o trabalho seriam apenas dez minutos de caminhada.

Comeu seu pão com presunto, engoliu o café forte e vestiu a roupa. Olhou no espelho e deu um jeito no cabelo despenteado, com as mãos mesmo. No caminho, andava vagarosamente, eventualmente torcendo o pescoço para observar as mulheres passando.

Flatos para relaxar.

Chegou ao trabalho e cumprimentou todo mundo. Sentou-se em frente ao computador às 10:30.

Às 10:40, estafado de tanto trabalhar, deu uma pausa e perguntou ao pessoal onde seria o almoço. Perto de meio-dia, depois de ter gasto dez folhas de papel para enxugar as mãos no banheiro, saiu enfim para almoçar.

Finalmente, uma pausa! Comentou com os colegas.

No restaurante self-service, escolheu o segundo prato da pilha, de cima para baixo, como medida higiênica. Mal sabia ele que, devido ao fato da reposição ser feita colocando-se os novos pratos por cima dos já existentes, e também devido ao fato dos vinte clientes anteriores terem feito o mesmo (usar o segundo prato da pilha), ele acabou escolhendo um que ficou vinte vezes mais tempo exposto do que o que estava no topo naquele momento.

Na fila para se servir, devidamente furada por ele e por seus colegas, colocou o arroz no prato e comeu um pão de queijo. Colocou o feijão, e se serviu de uma empadinha. Ao final, ainda deu o jeito de comer três ovos de codorna antes de pesar.

No caminho de volta para o escritório, afastou-se um pouco do grupo. O motivo: flatos para relaxar, mas daqueles que com certeza não passariam despercebidos.

De volta do almoço, Malandro precisou de duas horas navegando em redes sociais para desopilar. Depois, trabalhou um pouco e deu uma pausa para o café às 16:00. Desceu com a turma e voltou para o posto de trabalho perto das 17:00. Às 17:30, já que faltava apenas meia hora para sair, decidiu dar mais uma relaxada, navegando nos sites de notícias.

Quando ele menos esperava, o chefe chegou à sua baia, passando antes por trás dele, quando ele estava indefeso. Digitou Alt+Tab para sair da página por onde estava navegando, mas já era tarde.

Oi Malandro, vai conseguir entregar o relatório hoje?
Não sei, chefe. Sei que prometi ao senhor, mas sabe como é. Muita gente me acionando... Mas amanhã eu entrego, sem falta. É que quero entregar uma coisa cem por cento pro senhor, bem feita.

O chefe não escondeu o desapontamento e saiu dali.

"Mas que ideia, chegar assim, por trás! Isso é desleal!"

Se seus colegas de trabalho produziam tanto quanto ele, Malandro não tinha razão para ser mais produtivo. Deu Alt+Tab novamente e voltou para o site de notícias esportivas, e assim permaneceu até o fim do expediente.

Se os outros produzem pouco, por que Malandro vai ser produtivo? Se os outros furam fila, por que ele também não pode furar? Se os outros comem uma coisinha sem pagar no supermercado, por que ele não pode consumir uma coisinha e algo além? Se ele chega ao shopping center e há tantas vagas de estacionamento para deficiente sem carro algum, por que ele não pode usar apenas uma? Se o vizinho dele faz gato de luz, por que ele também não pode fazer? Essas pequenas coisas não prejudicam ninguém! No banheiro do trabalho, por exemplo, não é uma folhinha de papel a mais para enxugar as mãos que vai causar um estrago ecológico!

E é assim, com esse pensamento burro, deturpado e egoísta ("eu sozinho não vou causar estrago"), que milhões de malandros causam um grande estrago na sociedade e, sem saber, pagam eles mesmos o preço.

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