domingo, 10 de fevereiro de 2013

Crônica #8 - Desculpe o transtorno, o técnico vai vim amanhã


Tenho plena consciência de que cometo muitos deslizes ao falar e escrever, e não vou apontar o dedo para aqueles que dizem as duas orações no título desta crônica para acusá-los de assassinos da Língua Portuguesa. Porém, não posso deixar de registrar que elas são capazes, quando lidas ou ouvidas, de interromper meus pensamentos por alguns segundos. São capazes de desviar meu foco, não sei exatamente por quê.

Vamos à primeira: “Desculpe o transtorno.”

Esta frase pode ser encontrada facilmente em placas de qualquer obra de concessionária de serviços públicos. Quando a companhia de gás vai abrir uma pequena cratera para manutenção das tubulações, coloca uma placa com estes dizeres. Quando a concessionária de energia elétrica precisa fazer algum reparo, coloca a mesma coisa, como se o transtorno em si tivesse alguma culpa.

Quem desculpa, desculpa alguém por algo (por favor, corrijam-me se eu estiver errado!). As concessionárias poderiam escrever “desculpe-nos pelo transtorno” ou “desculpe pelo transtorno”. A frase que eles usam me faz imaginar que eles têm algum funcionário que está causando o problema, que é o real culpado, e nos pedem para desculpar esse funcionário que se chama Transtorno.

Eu também já conheci muitos Transtornos na minha carreira profissional. Desde aqueles que não respeitam a vez de falar numa reunião, passando pelos que ficam puxando assuntos alheios ao trabalho e atrapalhando a concentração de todos, até os que têm iniciativa zero para resolver os próprios problemas e se tornam um peso de vinte toneladas para a equipe. Existem ainda aqueles que são Transtornos bem conscientes do nome que carregam, que colocam fotos da família ao redor do computador para evitar serem demitidos, e os Transtornos mal-humorados. Quem leu a crônica em que menciono o famoso Genialdo Okara sabe do que estou falando. Imagine, nobre leitor, como seria um projeto feito por uma equipe de Transtornos; boa coisa não sairia.

A segunda frase traz um erro mais grave, na minha opinião: “ele vai vim”.

Sério, eu entendo quem confunde o infinitivo do verbo com a primeira pessoa do singular do pretérito. São duas formas até parecidas, mas sempre paro o que estou fazendo para identificar quem é o dono da frase, que pode até ser meu amigo. Mas mesmo assim evito ser aquele chato que fica corrigindo os erros dos outros. Às vezes estou bem concentrado no meu trabalho, imerso em algum documento importante a ser entregue no mesmo dia, quando ouço:

“Mas ele vai vim pra reunião?”

Paro o que estou fazendo. Penso: “Puxa vida, o certo é vir.”

“Não. Acho que ele não vai vim, mas Fulana vai.”

Penso: “Quase! Quase que ouço dois na mesma frase.”

“Eu vou vim, Cicrano vai vim. Quase todo mundo vai vim. Acho que a reunião vai ser produtiva. E você, Marcel?”

Aí é covardia. Fica impossível manter a concentração. Aceno com a cabeça e levanto-me para espairecer.

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